Wednesday 24 December 2008

Hands up!


"Se um dia o diabo quiser faremos o crime perfeito..."


Sunday 30 November 2008

se

Hoje não, só amanhã, mas isso não existe, que o hoje é eterno. Hoje, agora, e nada mais há. Nem horas, nem tempo, nem dias...

Algures não sei bem onde alguém acabou de ser morto a tiro neste mesmo instante, o mesmo em que não sei quantos putos mosca respiram pela ultima vez. Mas nada disso importa, são só estatística.

E nada de sentir demais hoje, que mais dias virão –se nenhum meteorito nos cair em cima- logo depois de acordar -se-.


Saturday 29 November 2008

#

Ora até que enfim..., perfeitamente...
Cá está ela!
Tenho a loucura exactamente na cabeça.

Meu coração estoirou como uma bomba de pataco,
E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima...

Graças a Deus que estou doido!
Que tudo quanto dei me voltou em lixo,
E, como cuspo atirado ao vento,
Me dispersou pela cara livre!
Que tudo quanto fui se me atou aos pés,
Como a serapilheira para embrulhar coisa nenhuma!
Que tudo quanto pensei me faz cócegas na garganta
E me quer fazer vomitar sem eu ter comido nada!
Graças a Deus, porque, como na bebedeira,
Isto é uma solução.
Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!
Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!

Poesia transcendental, já a fiz também!
Grandes raptos líricos, também já por cá passaram!
A organização de poemas relativos à vastidão de cada assunto resolvido em vários —
Também não é novidade.
Tenho vontade de vomitar, e de me vomitar a mim...
Tenho uma náusea que, se pudesse comer o universo para o despejar na pia, comia-o.
Com esforço, mas era para bom fim.
Ao menos era para um fim.
E assim como sou não tenho nem fim nem vida...

Álvaro de Campos

Friday 21 November 2008

Sopro

O tropeçar e a queda, o abismo ao fundo, metros sem rede e as asas abertas quase ao bater no chão. Abertas mas frágeis. Logo quebram e o corpo cai sem amparo. Quebram-se depois os ossos e rasgam-se as carnes. Mas há sempre um canto para servir de abrigo e uma manta para não deixar escapar o calor que ainda resta.

Depois as escadas voltam a chamar. Sobem-se os degraus um a um esquecendo que tudo tem um fim - e a escada não será diferente -. Último degrau, próxima queda, ciclo infinito, grande roda ou qualquer outro nome. A vida, talvez.

[ao lado, outras escadas, outras quedas, outros corpos. nas pontas do mundo as cordas da rede cortadas por quem a não quer esticada]

Thursday 20 November 2008

Coiso...


Canções, escadas e moinhos de vento movidos a água. Seres pequeninos, gigantes, algodão aos molhos e tangerinas. Escadas, casas, ruas, a quase chuva e as pedras da calçada debaixo dos pés. Comboios, estacões, paragens, viagens. Árvores e grades e relógios partidos contra o céu. E palavras. Porque sim, eis tudo!

Sunday 16 November 2008

Saturday 15 November 2008

Sinos

E os fins são todos iguais não são? As seis tábuas do paralelipipedo bem envernizadas, as mesmas vozes que mais tarde acabam por ser abafadas pelo barulho da tasca, as almofadas ao quadrados e a ansiedade das larvas com fome...

O cangalheiro faz a conta ao fim do dia e deus queira que amanhã haja mais trabalho.

Just

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise

Black bird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
you were only waiting for this moment to be free

Blackbird fly, Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird fly, Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise,oh
You were only waiting for this moment to arise, oh
You were only waiting for this moment to arise

Paul McCartney, "Blackbird"

Friday 14 November 2008

Absurdo:

do Lat. absurdu

s. m.,
contra-senso, disparate, dislate, tolice, paradoxo;

adj.,
contrário à razão, ao senso comum;
ilógico, contraditório, paradoxal.

Sunday 9 November 2008

Chuvas

Chovem-me as letras em cima da cabeça como se fossem meteoritos. Vêm juntas em forma de palavras que se juntaram também em frases. Não param de cair, de bater... Dizem que vieram mostrar que existem, dizem que não querem ser esquecidas, batem, caem...

Procuro um abrigo mas não há.

Friday 7 November 2008

Cores

E já está tudo inventado não é verdade? Não falo dos satélites e do resto que nos vai querer controlar daqui a uns dias, das camaras e do grande irmão escondido no bunker de ouro a espreitar quem mija no canto da parede e a que horas chegas a casa, se bem que isso também está mais que feito.

Dizem que acabaram as canções e todos os dias nos mostram o filme do dia pelas oito da noite que agora empura o dia por volta das cinco, dizem que isto está mau para que no outro dia de manhã as ovelhinhas o repitam a uma só voz "Isto está mau, isto está mau...", se calhar o grande irmão não passa de um reles pastor. "as ovelhas gostam de companhia, vão-se sempre juntando umas ás outras.". O rebanho engrossa "isto está mau, isto está mau" e enquanto fala não ouve nem vê. Para quê? Às oito saberão de tudo, de tudo o que quiserem que saibam. "isto está mau, isto está mau", e nos gabinetes cheios de mofo assinam-se resmas de papeis para tornar isto melhor.

Mais um decreto e não se pode faltar às aulas porque isso não pode ser considerado um direito. Não se falta e não há sermão nem responsabilidade e depois se houvesse agora também já não se chumba e as bicicletas não são prémios mas direitos. Criam-se assasinos de português, incapazes de somar e dividir. Passeiam-se com os afamados "Magalhães" debaixo do braço sem saber sequer quem deu o nome áquela máquina azul. Sem saber que houve tempos em que homens se faziam ao mar para matar e morrer. Sem saber que houve tempos em que nos diziamos donos de meio mundo. E agora? Esperamos ansiosamente que do outro lado do oceano haja alguém capaz de nos tornar a vida melhor. Ironias que também não hão-de perceber. Aumenta o rebanho...

Fazem ouvidos moucos e sorriem, as ovelhas negras. Sorriem e riem e rebolam no meio do caminho sem medo de serem pisadas. Aprenderam a levantar-se depressa e fugir dos pés ansiosos. Também se tornaram maiores que as outras, pelo menos maiores aos olhos, mesmo que só a cor pareça distingui-las. Dizem que isto está bom, que gostam de chuva quando ela cai e de sol quando ele nasce. Acreditam que o impossível é só uma palavra inventada que não faz qualquer sentido, parar é morrer e as tangerinas têm um lugar especial no mundo a par com os girassóis.

Dizem-se felizes e alimentam-se de algodão-doce.

Wednesday 5 November 2008

Change!

Agora que o senhor Obama já tem lugar na casa branca, podia começar a campanha para que em Portugal houvesse também um primeiro ministro diferente.

Teria a sua graça, afinal Ele já vai para todo o lado, pelo que a diplomacia não lhe mete medo. E é azul. E tem a sua graça. Até um nome engraçado...

Magalhães. Voto nele!

knfkzdfgkowr

(e enquanto ando as pedras da calçada redundam nas conversas de sempre mais uma vez a conversa dos pombos das pombas um dois na mão e a voar numa árvore aparecida no meio do passeio desenha-se mais um traço e agora devem ser já mais de quinhentos na ponte as luzes iluminam um bando de gaivotas em linha recta que poderiam ser morcegos mas a cor não perdoa e os morcegos não são brancos mais uns dias e não restarão luzes pois as que se apagam ninguém volta a acender e os vidros partidos vão pelo mesmo caminho caminho igual ao dos buracos na estrada buracos nos bancos buracos em tudo buracos no peito de quem leva tiros e nas cabeças ocas de cérebro ausente)

Tuesday 4 November 2008

Invariável

Cinco da tarde de um dia qualquer. Os pombos levantam dos telhados, cagam nas estátuas.

Sunday 2 November 2008

Terra

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente

Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas

Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador

Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir

Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce, que os pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade

Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete, Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou

Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe

Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

Jorge Sousa Braga

Dançando à Volta

"O cobarde é uma pessoa que foge pra trás
O herói é uma pessoa que foge prá frente
Em maior ou menor grau
Todos nós fugimos ao
Medo que faz o cobarde
Medo que faz o valente"

Sérgio Godinho, " O Baú de Sigmund Freud "

Algodão

Debesis

(soa bem)

Friday 31 October 2008

Sonnenblume


(negociável)

Thursday 30 October 2008

Cinza

O cinza de cima conta as núvens e um outro mostra o céu. Mais azul, um, mais negro, o outro. À frente, o cinzento das grades que encerram nada, e debaixo, a cor da cadeira que segura o corpo também não muda. Cinzento o rio que corre ao fundo e até o verde das árvores parece ter mudado de cor.

O chão sempre foi uma mistura de preto e branco e reparando bem, nem as telhas da casa velha são laranja como as restantes. Na linha passa o comboio, invariavelmente cinzento, agora limpo que foi dos graffitis arco-iris.

Ao lado, as caras cinzentas, falam do cinzentismo da vida e tudo parece ter sido pintado por um inconsciente qualquer. Talvez um daltónico a querer vingança.

Depois fecho os olhos e vejo as mil e uma cores dos peixes que teimam em saltar da àgua para os barcos que não há ao som de um qualquer louco que grita "PEIXE, PEIXE, PEIXE!", embalado por marés de campainhas. Saltam os peixes e chovem sapos. O cinzento deixa de fazer sentido com os olhos fechados, e ao voltar a abri-los a cidade é toda luzes.

As núvens foram empurradas pelo sol, o rasto laranja pintou o céu e o pescador terá um grande jantar ao chegar a casa.

Porque sim!

“chovam as palavras em pedaços de algodão.
Doce… que o rasto do sol não se quer amargo…”

Sunday 26 October 2008

Vácuo

A boca sabe a papel, como se todas as folhas do mundo tivessem sido comidas de uma só vez. O frio congela as palavras escritas e metidas entre os dentes enquanto da voz resta apenas um ligeiro assobio.

As caras e os corpos lá estão, a vaguear de um lado para outro. Esquerda, direita, frente, trás. Sem rumo, rumo a qualquer lado... Falta Gente no meio disto tudo. Falta a chuva que parece ter tirado férias e até o sorriso da lua se mostra falso e torto.

Indiferente a tudo, o rio-casa vai correndo ao lado. Ao lado, como as casas onde se não está, os abrigozinhos de cobertor já roto, ao canto, à espera que o corpo aceite o abraço para que da janela se solte o grito.

Tic-tac e agora o dia tem mais uma hora para se ser. Os corpos cansados arrastam-se até casa ou morrem na lama. As palavras que escorrem das bocas ébrias soam todas a falso, e o "para sempre" parece ser um dia como outro qualquer. Até ao nascer do sol...

Saturday 18 October 2008

Roda

"Cada um tem aquilo que merece
E bebo as palavras e quase que me engasgo
São belas perco-me nelas sem me fartar
Sem quase nunca me fartar
Podiamos ficar nisto o resto da noite
Em lugar nenhum"

Manel Cruz, "Fora de Combate"

Wednesday 15 October 2008

Números

Nada, nada, nada... Vai evitando a parede de vidro a todo o instante, sem se lembrar no instante a seguir de como há tão pouco o tinha feito. Come, se alguém deixa cair umas migalhas coloridas sobre a água. Come uma e outra vez, uma e outra... Sabe nada. Limita-se a existir num nadar infinito, sem memória do que foi ou noção do que é. Se ao menos pudesse pensar em sair... Se ao menos pensasse... Uma memória de poucos segundos não deve servir para grande coisa...

O peixinho vermelho a boiar no aquário, indiferente a tudo. A vida condensada num agora sem fim. Tic-tac, pequena máquina indiferente ao passar das horas.

- E se morrer?

- Compra-se outro, são todos iguais...

Sunday 12 October 2008

Talvez

"Devíamos todos usar suspensórios para que a alma nos caísse um pouco menos sobre os calcanhares..."

António Lobo Antunes, "Os Cus de Judas"

Saturday 11 October 2008

"Mas é sempre a mesma história..."

Como se fosse possível viver sem os papéis espalhados pelo chão e meio mundo perdido e espalhado pelo outro meio.

O primeiro assombro... E depois pouco resta dele. Farta-se o corpo e volta tudo ao que era dantes.

Sabe melhor assim, enquanto o corpo não se farta...

Thursday 9 October 2008

(som áspero e seco)

As peças do dominó todas alinhadas e ao alto à espera da primeira queda para que o desenho surja na mesa enorme.

Imóveis, tanto tempo, tanto.

Pim! Estalar de dedos, rajada de vento, empurrão mágico. Caiu a primeira.

Que surja o desenho...

Saturday 4 October 2008

"Sete"

As caras fecham-se para te dar a notícia. Escuta-la meio incrédulo, mas o tom de voz acaba por te convencer. Depois compras as flores e deixa-las ao lado do caixão. Olhas mais uma vez para ver se não te esqueceste de escrever o nome em letras bem grandes (as pessoas esquecidas são assim, às vezes até nem se lembram que outras ainda existem até ao dia em que sabem do funeral), comentas o tom de pele do morto e a roupa escolhida para a última viagem, desta vez na horizontal. Na horizontal, mas agora sem ressonar.

Ainda deve haver tempo para pensar um bocadinho e fazer as pazes, nem que só por uns meros segundos, com aquele que tanto invejas e não suportas, meros segundos e todos são amigos e justos e sensatos e morais.

Buraco aberto, terra para cima, não sem antes o senhor padre deixar as palavras mágicas no ar. Duas lágrimas no chão, óculos escuros nos olhos e se esperares pela noite talvez vejas uma alma esverdeada a subir aos céus. Mas não esperas, que no café a cerveja é fresca e a televisão lá está com o grande relvado acabado de regar. A cerveja é fresca e os copos muitos. Entretanto secaram os olhos e todos voltaram a ser os mesmos de sempre, inimigos, injustos, insensatos e imorais. O senhor padre troca as palavras mágicas por três "ais" na cama da sobrinha e dia um do mês que vem lá irão todos pôr as velas vermelhas a arder.

Sentir a horas marcadas deve ser uma coisa estranha.

Wednesday 1 October 2008

smilejacking

Por mais prisões e grades que mande construir, nunca o homem-máquina há-de ver-se livre dos ladrões de sorrisos.

Haverá sempre quem não olhe só para o chão e se atreva a segurar a porta pesada de um qualquer centro comercial. Mesmo que sem dentes na boca...

Wednesday 24 September 2008

Gotas

Chove e há poças de água no chão. Molham-se os pés por entre dois saltos mal medidos. Depois há quem diga que a vida é linda enquanto as joaninhas vão voando para a fotografia como que por invejarem a borboleta fotogénica.

O Eládio Clímaco anima a viagem de comboio rumo ao pôr do sol na praia quase deserta e as coisas simples são tão mais.

Surge então a lua-bolacha-trincada enquanto a espuma branca e amarga depressa se troca por algodão doce cor-de-rosa. O preto ganha mil e uma cores e por mais que se pinte uma casa velha, nunca ela voltará a ser nova.

"É bom ser gente feliz" e o amanhã não existe. Os ovos estrelados são bons, mas nem sempre a frigideira ajuda. Mexidos também não são maus, desde que sem queijo.

Saturday 20 September 2008

Palavras...

"Estive há dez minutos atrás na varanda do meu quinto andar, a observar a cúpula invisível entre o céu e o enorme lego de betão e a sentir-me um inquilino passageiro desta pensão de uma estrela perdida na imensa cidade negra a que damos o nome de universo.

Curiosamente parece que é o único sítio que temos para passar a longa noite que nos espera.

E é aí que eu saio para apanhar a frequência. Como que a comer um ponto e a cagar um verso. No prisma, a encaixar, provavelmente no de outros feito um filósofo de merda.

Mas a vida é isso mesmo, um monte de gente a fazer de conta que se entende e ninguém sabe dizer o que viveu.

Por isso nos pedem que caminhemos alegres para o precipício sem questionar, porque estaremos sempre longe. Mas longe rapidamente fica perto e perto rapidamente passa por nós. Eu não quero mandar-te para baixo, mas sei que me entendes, tu também tens medo de morrer, toda a gente tem. Só que normalmente inventamos montes de problemas para nos convencermos que estamos ocupados a resolver uma situação importante quando não tem importância nenhuma.

Entretanto o tapete rola e nós irritamo-nos com a inevitabilidade, e nos nossos sonhos dizemos:

- Torna-me imortal! Torna-me imortal! Eu não vou aguentar deixar de existir!

E é aí que eu entro para sair da frequência, seduzir-te com os meus sonhos, tu não vês como empreendo? E como eu mais um milhão de sonhadores leva com ele muitos braços dos outros, acéfalos, na lotaria dos ideais, descrentes, beijando o número do bilhete.

Mas quero dizer-te que a viagem é tua, não quero empurrar-te à força para a rua.

Se eu falhar vou passar de deus a carrasco, embalsamado e metido dentro de um frasco, para te lembrares da mentira, mas a verdade é que ganhamos sempre."


Manel Cruz, "Ainda pode descer"

Monday 15 September 2008

Definitivo


Richard Wright [1943-2008]

Os Pink Floyd acabaram. De vez.

Sunday 14 September 2008

Prioridades

"O nosso objectivo é que não exista nenhum concelho no país que não tenha pelo menos um campo relvado"

E depois os desportistas do futuro, com os seus milhões, irão transformar este país num num lugar melhor. Porque tudo tem um preço. Daqui a quinze aninhos seremos o país da europa com mais bibliotecas e melhores escolas, com menos pobres e melhores hospitais, o verdadeiro paraíso à beira mar plantado.

Entretanto é só esperar que se formem os craques da bola. Já agora, se não fosse pedir muito, era interessante que no meio de isto tudo aparece um bom defesa esquerdo...

Efémero

A estrela d'alva, visível ao amanhecer, é o planeta Vénus, também denominada de estrela da tarde, visível ao cair da noite.

Thursday 11 September 2008

7!

as fachadas explodiram... passaram os anos e no fundo continua tudo igual. vieram guerras, perderam-se vidas em nome de um qualquer ideal...

e ainda não é pública a lei que as leis encerram... Quando?

Wednesday 10 September 2008

Os heróis estão todos mortos...

Hotel pinheiro. Os bichos picam devagarinho por entre uns minutos de sono no colchão mais que duro...

Sonho uma janela e uma loja do outro lado da rua que sonhada é um rio de àguas turvas. Um toldo de riscas azuis e um cigarro à porta. Segura-o uma mão queimada pelo tempo ou talvez pelo fumo, pouco importa. A outra acena. Aí vou. Voo por cima da rua rio e sento-me no sofá com a estranha personagem.

Uma aranha sobe para o tecto, há mosca fresca na teia.

Muda de voz e de cara, muda de corpo também, a rua à frente, de rio passa a selva e de selva a deserto. O sofá transforma-se em banco e pouco depois só resta um pouco de chão...

Ouço com atenção as palavras que vai soltando no ar. Fala de estrelas e luas, de um tal de fio norte, diz que há pessoas a desaparecer dentro de cabines telefónicas e que um dia houve quem fizesse explodir uma baleia encalhada na costa com dinamite (desastre enorme...).

Pergunta-me o que vejo à frente. Descrevo-lhe uma casa grande. Bate-me com as palavras. Uma janela! À frente está uma janela, eis tudo. Aceno com a cabeça e digo-lhe adeus. Agradeço e salto.

Acordo uma e outra vez. Sonho dentro do sonho qual matrioska. Entre um acordar e outro toca no rádio uma música quase esquecida, "shards of glass, splinters like rain..." é tudo o que ouço. Volto a acordar e agora já não é um sonho. Pelo menos o sol brilha e há pessoas a discutir por causa de um pedaço de papel...

A genial falta de sentido


Era um redondo vocábulo

Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

José Afonso

Wednesday 3 September 2008

Letras

"Não se mostra o trajecto
A quem parte para se perder
Não se dá boleia
A quem precisa de ir a pé"

Mesa, "Boca do Mundo"

relativo

Chegas com a mala negra e despejas todas as tuas razões e questões perdidas para as quais não tenho nem posso ter resposta. insistes, mas depressa percebes que não dá. depressa percebes que é a conversa errada com a pessoa errada. Perdes-te em "porquês?". tentas perceber o que não pode ser entendido. amuas depois na espécie de mundo que criaste à imagem dos que foste vendo. mas nem tu sabes que mundo é esse em que habitas, nem tão pouco consegues voltar atrás se acaso o quisesses para construir um outro.

E ao olhar para o céu vejo centenas de estrelas e imagino milhões de planetas à volta delas. Milhões de pessoas em cada planeta. Tão longe, tão pequenos. Tão reais...


Há perguntas para as quais a resposta não existe

Monday 1 September 2008

sono

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono! ...

Álvaro de Campos

Avante!








porque é bom acordar com as unhas dos pés pintadas de vermelho...

Sunday 31 August 2008

Quase domingo

Faz calor. Não há gente na rua. Fora dela talvez haja, mas hoje não encontrei. Um cão que ladra, deve ter fome.

Achei um fragmento de espelho partido em cima de um muro. Peguei-lhe por curiosidade. Apesar de pequeno dava ainda para ver alguma coisa reflectida. Digo a mim mesmo que devia usar aqueles que tenho em casa mais vezes. Esqueço-me sempre...

Moedinhas para a máquina e no fim do mês são só duzentos euros em cigarros. Golo do benfica e esta noite já não se dorme tão mal.

Na televisão oferecem dinheiro às três da manhã. Para quê tanto assalto?

Thursday 28 August 2008

Chaga:

do Lat. plaga

s. f.,
ferida aberta;
úlcera;
incisão na casca das árvores;

fig.,
desgraça;
mal;
coisa que faz pena;

fam.,
pessoa importuna, desajeitada;

Bot.,
(no pl. ) planta trepadeira tropeolácea ou a sua flor.

Wednesday 27 August 2008

Lost in translation

Pois os objectos são só isso e o que se faz com eles cada qual há-de saber. Faca abre-latas, arame chave, caneta garfo, copo arma...

Tudo faz mais sentido assim. Ou quase.

Sunday 24 August 2008

Planeta estrela

Cimo das escadas. Faz frio. Há estrelas. Há uma luz vermelha lá no alto e grilos que se fazem ouvir (a lua também se vê nos dias em que não se esconde por detrás das casas mal plantadas à volta.).

Passam aviões com mil e uma pessoas divididas entre latas. Três luzinhas por par de asas. Tão pequeninas lá em cima... E se por acaso um dia as luzinhas se apagarem enquanto lhes sigo o rasto?

É assim que acontece quando as estrelas caem (as estrelas não caem mas assim soa melhor, há até quem não acredite em meteoritos...). Um pontinho de luz aparece do nada, cai, cai, cai (ou flutua, ou vagueia, sei lá...) e pronto. Pedes um desejo e agora é so esperar que aconteça (tenta pedir que o sol apareça de manhã para ver se resulta mesmo...).

E o que são os anos para a pedra que deixou de o ser? Isto do tempo é tão relativo...

Entretanto as luzes continuam acesas lá em cima.

De manhã o sol dá-te um pouco de claridade e a história do desejo é mesmo verdadeira (para a próxima pede o fim da fome em Lisboa...). Acordas, vês a luz e vais à tua vida. Algures noutro lado do mundo mais três luzinhas chegam ao chão (explodirão agora?) e ali, ao pé de tua casa, há quem afunde a cabeça num caixote do lixo à procura do pequeno almoço (pão da noite anterior e doce de morango com validade de anteontem. Nada mau. Ontem só havia bananas.).

Três portas abertas. Três luzes apagadas. Três lanços de escadas. Mais um dia...

Pode ser que hoje seja diferente. Pode ser que a lua se pinte de roxo e as estrelas apareçam verdes. Pode ser que o mar cuspa os peixes e volte a nascer mais um salvador (tantos Jesus na América do Sul...). E se todas as máscaras fossem queimadas no meio da praça?

Pode ser que sim...

Ou então resta-nos ser daltónicos à força e sonhadores de olhos abertos...

"e há quem imite os lobos embora imitando gente "

[minuto 5]

Tantos inteligentes, tantos, tantos...

Friday 22 August 2008

Thursday 21 August 2008

Estória

de manhã espreguiçava-se devagarinho




depois ia à praia apanhar ouriços e estrelas do mar

Tuesday 19 August 2008

Sinapse

Uma prisão nos olhos. Duas prisões. Quatro olhos. Grades fracas queimadas pelo arder de um cigarro que não há. Como putos de doze anos a fugir dos olhos -mais uma vez os olhos- pequenos das coisas não muito grandes que se nos vão atravessando à frente (e passando ao lado. e ficando para trás.)

O resto é rir enquanto se espreita pela fresta da porta mal fechada. Rir, partir e voltar quando menos se espera só para um abraço tonto e sem sentido aos olhos que servem só para olhar e não para ver.

Saltam as palavras com vida própria e a Força ganha outro sentido. Mais um par de sorrisos. Adeus? Não pode haver... Estamos sempre lá, sempre cá, sentados no muro de lugar que não existe. Lugar nosso, lugar nenhum, com vista para o que se quer ver.

Monday 18 August 2008

Linha

"Mas é sempre a mesma história
Depois do primeiro assombro
Logo o corpo fica farto"

Sérgio Godinho

Friday 15 August 2008

Haver

Como se tudo na vida fossem comboios movidos a vento...

Sem plano e sem vida. Sem hora nem rumo. Só a linha e o relógio de estação a marcar as horas no tic-tac do costume. O tic-tac que varia o ritmo consoante a pressa de quem corre e a serenidade de quem aguarda sem certeza nem medo.

É tão possível morrer debaixo de um relógio de estação. Deve ser pesado. Estás ali à espera e de repente caem-te as todas as horas em cima...

Mosquitos, árvores e chuva. Algodão doce também...

Mais uma rajada de vento e agora impera o avesso. O lugar nascido na rua sem gente. Porta pequena e a casa de sempre... A casa noutra cidade. Fotócopia surreal... Não muda sequer a mobilia, nem o caixote do lixo com o caroço de maçã apodrecido pelo esquecimento.

Dá para sorrir. Na rua dançam as bandeiras. É hora de partir outra vez.

Thursday 14 August 2008

Porque nunca se pode ter tudo

e falta sempre qualquer coisa. Mesmo que haja a cereja no topo do bolo lindo lindo lindo. Esqueceram-se do açúcar... E o bolo amarga...

Desta vez faltou o último adeus.

Ou então não faltou e só não se ouviu...

Monday 11 August 2008

vidro

sim sim senhor razão diga lá mais uma vez...

diga lá, o senhor que sabe tudo, desde a mais bela táctica para ganhar no futebol, até à melhor maneira de depenar estorninhos malhados, passando ainda pelo conhecimento de mecânica aliado a um pouco de física e, já agora previsão meteorológica só com um pouquinho de cuspo no dedo...

diga lá senhor sabão o que é um padrão e um telefone. explique por favor às criancinhas porque é que o mar é azul e o céu salgado... é ao contrário? pouco importa, o senhor consegue na mesma...

conte lá onde se compra o arroz mais barato e qual é o melhor sitio para sair à noite. fale, fale sem parar. não se faça modesto...

pum, pum, pum! fogo de artificio verbal... e os planos da vida do outro. desenhe já no papelinho amarelado, faça-lhe o mapa, ensine-lhe o caminho.

aproveite senhor juiz, alguém errou. julgue, julgue já. ainda há cordas na loja e não falta quem saiba fazer um belo nó de forca. julgue e condene, que matar não custa. não tenha medo, não é preciso matar o corpo, só o resto...

e depois meu senhor, dono da razão do saber e da verdade, quando o longo dia chegar ao fim, tente arranjar um espelho. pode ser que então o sono tarde.

Sunday 10 August 2008

Sumo de Limão

E são tantas as metáforas e as analogias, mais que muitas. Surgem do nada, talvez venham com o vento... Mas todas redundam. É como a história do hamster e da roda.

Resta uma certeza simples...

Sol

De um lado, o sol queima as palavras, do outro, seca as ideias. O mesmo sol que é bom de ver por entre as folhas das àrvores e que convida ao torpor. O sol que gira sempre sem parar. E depois sobra pouco para dizer quando não as palavras não surgem...

Thursday 7 August 2008

Manhã


e depois acordar na areia e não saber se a conversa existiu ou foi um só mais um sonho...

Friday 1 August 2008

(...)


And if the dam breaks open many years too soon
And if there is no room upon the hill
And if your head explodes with dark forbodings too
I'll see you on the dark side of the moon

Pink Floyd, "Brain Damage"

Monday 28 July 2008

Vozes

Disseram no outro dia que éramos iguais. Fiz de conta que não ouvi.

Depois pensei nas palavras e nos metros e nas pedras e nas varandas e nas viagens e nos comboios e nas pistas e nos carros e nos silêncios e nas horas perdidas a fazer nada.

Olhei-os de lado e ri-me contigo.

Sunday 27 July 2008

Nadas...

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de conseqüências?
Não, nada...
O dia triste, a pouca vontade para tudo...
Nada...

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive).
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em todo o novo...

Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente...
Não sentem: para que haveriam de sentir?

Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, álacre, vivo, contente de sentir-se...
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer...

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...
No dia triste todos os dias...
No dia tão triste...

Álvaro de Campos, "Núvem"

Monday 21 July 2008

Jardim

Num canto, girassóis, no outro uma roseira. Uma grande árvore no meio, daquelas que se não abraçam de uma vez só. Alguma relva, um banco verde e pedras com vista para o rio.

Enterrada na terra está uma caixa. Folhas e mais folhas. Brancas e lápis coloridos. Pendurado na árvore, um arco-íris pintado a mil cores num dia em que choveu miudinho.

Olhando de baixo, a árvore desenha-se núvem e dos ramos pende um pequeno trapézio que baloiça ao sabor do vento. Lá, no sitio onde não há tempo e o ar não sufoca nunca.

"Não vês que é de nós o jardim..."

Saturday 19 July 2008

-



















..

Sunday 13 July 2008

Cancro

Cancro de merda!

"Ah e tal, tens dois meses de vida...".

Claro que a morte é certa -sempre o foi para todos-, mas nunca o quiseste ver, nunca quiseste saber... E então, é agora, durante dois meses que vais aprender a cheirar uma flor? É agora que vais saber o que vale um "Bom dia!" e um sorriso? E a ver nascer o sol pela janela fosca do hospital mal cheiroso e quente.

Quando podias, não cheiraste, nem disseste, nem viste. Não o quiseste sequer, quanto mais tentar. Anos e anos que tiveste para... E agora em dois meses queres isso tudo. Agora que tens o sangue podre e te começam a cair os dentes arrancados por rios de baba.

Gostavas agora de dizer umas palavrinhas a alguém mas também não podes. Afinal, esse alguém não existe. Ou se existe, só existe para ti... Como lhe podes tu pedir uma visita? Podias telefonar, mas como poderias falar sem que te ouçam pelas paredes orelhudas? Podias também escrever, mas bem sabes que te iriam abrir a carta. Desesperas...

Ficas então calado com as palavras em ti. Belo castigo... Nem tudo é mau, vendo bem, só vai durar dois meses.

Dois meses passaram, e do outro lado, enquanto saceias mais um bichinho, há quem abra a caixa do correio todos os dias... "Bem que podia dizer alguma coisa..."

Saturday 12 July 2008

Metáfora


Passaram quatro anos.

Friday 11 July 2008

Há quem seja até mais que...

Quase chove. Cheira a terra, o ar. Olho à volta e vejo ninguém. Afinal a chuva quase molha e debaixo dos montes de betão e ferro não entram as leves gotas de água.

Sigo enquanto sinto. Soubessem eles o que perdem... Gente? Não creio!

Wednesday 9 July 2008

I already have ten thousand spoons...



"And for a minute there, I lost myself, I lost myself"
Radiohead, "Knives Out"

Monday 7 July 2008

#

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.

Álvaro de Campos

Saturday 5 July 2008

Arrasto

Uma tira de entremeada pode fazer toda a diferença quando se salta para um lago cheio de crocodilos.

Um passo ao lado da ovelha morta no meio da estrada também pode mudar a história. Tripas de fora, bombas dentro. É a vida, ou a morte... Afinal que mal pode fazer uma ovelha morta? E o pedaço de ferro redondo?

E as nódoas? Não são mais que manchas nas roupas.

("Cuidado, cuidado!!! Estão vidros no chão..."). Também estavam palavras no ar...

Thursday 3 July 2008

4+4=8

Azul
Núvem
Céu
Rio
Mar

Algodão
Mel
Sorriso
Rasto

Fundo
Salta
Cai
Foge
Roda
Gira
Volta

Vento
Varanda
Flores

Luz e frio, vozes e caras, passos lentos que se arrastam vagarosos pelo chão e a erosão dos passos lentos que se arrastam pelo chão a deixar rasto no trilho que se forma pelos mosaicos já meio amarelados por tantas vidas que os calcaram...

Os olhos não vêm, olham. O coração não sente, bate. Os corpos não vão, seguem. Os ouvidos não escutam, ouvem.

tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tit-tac, tic-tac, tic-tac, .......................................

Flight lesson #1: Have you ever seen a chicken flying? Chickens have wings...

E é tudo tão mais simples quando uma simples frase se apodera da mente... "Basta querer.". E acabam as distâncias e as agendas e as horas e o resto. Porque sim! E os comboios são nossos escravos mesmo que a viagem se faça em vão... Mas nunca é em vão. Resta sempre qualquer coisa, quanto mais não seja uma dúzia de olhos gritando a uma só voz a palavra que não mais abandonará o ser.

8X10=80

Saturday 28 June 2008

(...)


Pecados mil
Cem prazeres vãos
Tenho bolhas nos dedos
Tenho calos nas mãos é ele que me chama
Se o bem corre perigo
Ou eu acabo com este
Ou este acaba comigo
Não
Não
Não posso ser eu
Não
Não
Não me deixam ser eu
Mas então
Quem é que eu vou ser?
Quero uma última vontade antes de nascer!...
Quero ser pouco
Ou quero ser rouco
Ou um pedaço de merda
Quer ser um pouco de gente
Eu imploro
Quero ser igual…
Depois das lágrimas
Do arrependimento
Surge a raiva que a não leve o vento!

Mas eu sei cantar
Da minha maneira
E pelo que eu creio
Canto a noite inteira

Mas eu sou bom
Eu perdoo tudo
Por vontade deles
Eu seria mudo
Quero ser muito
Quero ser tudo
Estar só
É tudo o que eu quero
Agora…

Manel Cruz, "Eu"

Thursday 26 June 2008

Rádio

É quente a tua mão, ainda mais que leve. E faz-me falta nos dias em que quase chove e nas noites sem sono e nas tardes de sol e nas viagens sem destino. Porque há canções simples que continuam a fazer-se ouvir. Porque sim.

Wednesday 25 June 2008

Janela

Porque a(s) vida(s) não tem(êm) que ser sempre cinzenta(s)...

Tuesday 24 June 2008

Morfina

Há quem se esvaia em sangue, há quem perca pedaços de si em dias que de bom pouco têm. Depois sobra o vazio e o espaço onde já ouve um bocado de perna e um pé.

E sobra tempo no branco. Paredes brancas, batas brancas, ideias em branco.

E se...?

Cordas

Saturday 21 June 2008

Ouvi dizer

Ouvi dizer que para lá do azul do céu, por cima das núvens, mesmo ao lado da fábrica de impossíveis há um velhote que passa os dias sentados a matar o tempo. Uns pózinhos mágicos e as horas passam ao ritmo do algodão doce que vai tomando forma em volta do pau. Algodão doce, como os sorrisos. Ainda me lembro do tempo em que os sorrisos eram de algodão, do tempo em que trazias doces na mão... Ainda me lembro.

Ouvi dizer que lá longe as paredes são de vidro, como muitos dos tectos cá em baixo, e nos dias em que a luz do sol brilha forte demais, os vidros transformam-se em espelhos, espelhos daqueles que não há cá em baixo, espelhos onde se reflectem as almas abertas por um abraço bem quente.

Ouvi dizer que, depois, nos dias em que chove muidinho se fazem grandes festas, festas quase tão grandes como aquelas dos dias em que chove bem forte, mas mesmo assim pequenas quando comparadas às outras, as que acontecem sempre que cai do céu mais uma estrela em mil pedacinhos de luz incandescente.

Ouvi dizer que as ruas vão todas dar a uma grande praça e que a praça fica de frente para o mar e que, lá longe, o mundo tem um girar diferente. Então o sol nasce no mesmo sitio onde se pôe. E todas as semanas há um dia em que o sol se limita a não aparecer, como aqui acontece com a lua. Diz-se por lá que às vezes é preciso sentir falta, para dar valor...

Gostava de lá ir um destes dias. Hoje as portas já fecharam. Ouvi também dizer que o mundo acaba amanhã...

Wednesday 18 June 2008

Já deu

Em tons de amarelo, toca já quase velha canção, "Yellow", "look how they shine for...".

E já há lua e estrelas e céu. Ainda há um par de dias caía a chuva e as folhas com ela. Só algumas que as outras lá ficaram penduradas qual guarda chuva gigante...

Na rotunda larga os carros continuam a passar como se nada fosse, passavam há uns anos também, enquanto lá longe em Srebrenica as valas iam ficando um pouco mais cheias de corpos sem gente dentro.

Acabou de nascer uma violeta plantada numa terrina...

Óbvio?

"A lei da gravidade para animais domésticos tem variações que exigem o devido estudo porque, se os bichos caem todos à mesma velocidade - o aceleramento é constante e independente do peso do animal -, já a altitude determina a forma como ele aterra.

Do quarto andar o pior que acontece ao gato é partir a pata da frente ou fender o palato e expirrar um pouco de sangue ao bater com o queixo no chão. Mas, por exemplo, se um bichano cair do primeiro andar ele poderá, incrivelmente, os veterinários confirmam-no, partir a espinha e morrer ou ficar paralítico, o desgraçado, por não ter tempo de se virar por inteiro, o que é estranho, ou por fazer mal as contas e dar meia volta a mais. No entanto, do segundo andar e do quarto andar não lhes acontece nada. O intrigante fenómeno de uma queda mais alta ser menos perigosa levou o Raúl da Casa Azul a postular a seguinte hipótese:

- E se a queda segura de um gato for uma constante de andares de número par?

...

O certo é que um dia o Cubano, farto dos gatos, alterou o seu campo de estudos para os cães. Deixou cair um cãozinho de patas para o ar, do quarto andar para o pátio, e o rafeiro não se virou e morreu.

- Conclusão, cão não é gato.

O animal fez um barulho seco e almofadado, parou de ganir. O medo do cãozinho encheu o ar, nos dois segundos e meio da queda."

Rui Cardoso Martins, "E se eu gostasse muito de morrer"

Tuesday 17 June 2008

Da cicatriz no braço direito

Os mosquitos picam o corpo em busca de sangue quente. Enquanto isso, a chuva lava almas e ouve palavras perdidas no meio do nada. E as horas passam, assim como os dias e os comboios e as vidas por nós.

"Portugal que com todos estes senhores conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa e de todo o Mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degradados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!

Morra o Dantas, morra! PIM!"

José de Almada Negreiros, "Manifesto Anti-Dantas"

Monday 16 June 2008

d'O Campo

Maior. Do tamanho de um sorriso bem aberto a encher a cara. Maior, sem que se possa medir. Maior. Só assim. Simples? Talvez não seja simples. Talvez tenha sido. Talvez...

Grito agora contra as paredes, contra o vazio. Ecos distantes chegam como resposta. Palavras distorcidas pelo tempo. Tempo-espaço. "Nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma", e o pó é só o resto de tudo. Muda a forma, resta a matéria. E no vazio restará também qualquer coisa... Ecos, mais uma vez, ecos de palavras distantes.

Meio metro pode ser longe demais, meio metro entre um copo de água e um corpo de gesso. Meio metro, distância infinita... E depois a dúzia e meia de quilómetros que se transformam em nada. Querer. Porque no mundo é tudo relativo... E do lado de fora isso vê-se muito bem.

Tive em tempos medo do papão e do lobo mau, do sebastião que comia tudo e de ser tostado num forno de lenha. Mas o sebastião não era canibal, o lobo mau gostava mais de chatear ovelhas branquinhas, o papão sentia-se confortável debaixo da cama e no forno apenas cabiam meia dúzia de pães. Sentido? Sim. Fazia.
"quero ver-te amanhecer..."

Sunday 15 June 2008

Tal fosse um copo grande embora sem o fundo

"A rua quebra-me a força negativa.
Sorrir,
Não é pêra doce!"

Ornatos Violeta, "Letra S"

Friday 13 June 2008

Sonho?

- Dona Aranha, como vai?
- Como sempre, sob as linhas que teço...
- Não era bem isso...
- Feliz, então, acho.
- É bom saber, Dona Aranha, é bom saber...
- Tenho feito umas coisas engraçadas ultimamente...
- Pois, já notei.
- Mas sabes, no fundo são só fiozinhos de seda. Limito-me a esticar fios de seda.
- São mais que fios, mais que cordas...
- :)
- "Dona Aranha nada disto faz sentido.".
- Claro que faz, embora nem sempre seja fácil encontrá-lo, percebê-lo, sei lá...
- Mas...
- ...um dia, um dia.

Facto

As delicias do mar comem gomas em forma de ursinhos. E são vermelhas porque preferem as de morango. Já agora, são capturadas no oceano pacífico...

Monday 9 June 2008

Frio

Tenho frio. E as pessoas não aquecem, não me aquecem. Nem o sol. Nem o mundo nem nada. E olho à volta e pouco vejo, quase não sinto. Não sinto o mesmo, não quero o mesmo. Vejo-me depois perdido sem saber...

Sinto falta dos sorrisos de algodão e dos raios laranja a fugir do olhar. Mas os dias mudaram, o tempo mudou e o mundo também. Bah!!!

Friday 6 June 2008

Do lado de fora...

"Há quem veja em Jeremias apenas mais uma vítima da sociedade
Muito embora ele tenha a esse respeito uma opinião bem particular
É que enquanto um criminoso tem uma certa tendência natural para ser vitimado
Jeremias nunca encontrou razões para se culpar

Porque nunca foi a ambição, nem a vingança, que o levou a desprezar a lei
E jamais lhe passou pela cabeça tentar alterar a Constituição
Como um poeta ele desarranja o pesadelo para lá dos limites legais
Foragido por amor ao que é belo e por vocação"

Jorge Palma, "Jeremias, o fora da lei"

Thursday 5 June 2008

Jardim


Há quem não ponha açúcar no café.

E está-se tão bem num outro qualquer lado que não o de dentro. Sei lá eu porquê. Porque sim...
Mais que o sol, tão mais, tão mais, tão mais...

Wednesday 4 June 2008

Com pequenas pintas nas asas...

se eu largar eu sinto a sua falta
se eu agarro ela perde a cor
ela não é dos meus dedos
é dos meus medos
e faço-me passar por uma flor
tento imaginar o que ela diz
à espera de aprender
à face da rua existe a lua
mas não é tua
à margem da estrada não há nada
mas já te agrada
tu és o teu mundo
tu és o teu fundo
tu és o teu poço
és o teu pior almoço
és a pulga na balança
és a mãe dessa criança
és o mal
és o bem
és o dia que não vem

agora pára de fazer sentido
não vês que assim estás a pisar fora da estrada
vê se agora paras de fazer sentido de uma vez
não vês que nada te dirá mais do que nos diz nada

vê que o meu coração ainda salta
quer e julga ser capaz
não o faça por meus medos
faça nos dedos
e eu fico para ver o que ele faz
sem imaginar o que eu não fiz
à espera de viver
à face da chama existe a fama
mas não te ama
à margem do nada não há estrada
já não te agrada
tu és o teu preço
és a tua glória
tu és o teu medo
és a parte má da história
vê que o sol ainda brilha
ainda tem por onde arder
não é mau
não é bom
são razões para viver

se eu largar eu vou sentir a tua falta

tu és tu sempre que tu és
és mesmo tu quando pensas que és outra coisa
e tu pensas que não
mas tu és mesmo bom a ser sempre quem és

daí o teu motivo ser inapagável
daí o teu desejo ser incontornável
o prazer é tão maleável
daí o seu valor ser inestimável

a razão de existir de um poeta é

Manel Cruz, "Borboleta"

Reflexo

E por um breve instante, tão breve quão breve pode ser a vida de um raio de sol, nesse instante em que a luz se mostra cruel, há mais certezas que dúvidas.

Enfim... Haverá quem se importe e diga, por exemplo, que as bananas estão verdes. E depois há quem goste, por exemplo, de bananas verdes.

E há quem goste de instantes sem sentido...

Monday 2 June 2008

Porque...

Porque as palavras são só o que são, bolinhas de sabão, talvez. Bolinhas de sabão que se sopram e esvoaçam um pouco acima dos olhos até rebentarem em mil e um pedaços de nada.

Bolinhas de sabão que enquanto duram são lindas de ver. Rumo ao céu... E depois há dias em que o sabão acaba e não ha bolinhas para contemplar, dias em que não vale a pena soprar a àgua, dias...

Enfim...

Palavras. Reparo agora que a palavra "palavras" até que nem é feia. "Terrina" também não soa mal. Uma palavra como prenda. Porque sim, só porque sim!

Sunday 1 June 2008

"as palavras é só bolinhas de sabão"



Terrina


Friday 30 May 2008

Fio

Como um fio de seda que balança ao sabor do vento e das gotas de chuva que quase o partem. Frágil e resistente ao mesmo tempo. Vai e vem, roda, gira e torçe. Não parte. Estica e encolhe, desenrola e volta a enrolar qual novelo colorido.

Fio ponte com gente nas pontas... Ou talvez não. Fio ponte com gente mais que gente nas pontas.

Wednesday 28 May 2008

Cerejas

Muitas vezes ouvi a canção. Dizia a voz que a vida é feita de pequenos nadas. É! E depois esses nadas bem pequenos fazem um todo até com bastante graça.

E do meio do nada aparecem palavras que não deixam esquecer o que sempre se soube, a normalidade é sempre um bocado relativa e sabe bem acordar com as unhas pintadas de vermelho e revirar os olhos e ir só porque sim.

E as pessoas humanas pouco percebem dos pequenos nadas. Porque as pessoas humanas sabem muito pouco. Nem descobriram ainda que se pode ver o sol nascer...

Wednesday 21 May 2008

Bom dia

Perdi-me enquanto deambulava. Deixei-me andar sem ver para onde ia, deixei-me ir ora virando à esquerda, ora à direita. Cansei-me e adormeci. Acho que adormeci.

Acordei agora, mas não sei onde estou... De qualquer modo também não tenho a certeza de querer voltar...

Monday 19 May 2008

Impossível?

Saturday 17 May 2008

Campos

E depois é estranho demais sonhar com campos de girassois. Mais estranho é acordar e o silêncio dominar a vontade.

E é nessas alturas em que queria ter-te ao lado para te acordar com um bom dia e um beijo. É nessas alturas em que sinto coisas confusas que deixo de saber sentir.

E do resto que falem os entendidos...

Thursday 15 May 2008

Luas

Reparo agora ao olhar para o céu que quase cinco luas passaram. E cinco luas depois, encalhado no tempo, pergunto-me no que pensarei daqui a duas mais. Se calhar é de mim, ou então as marés passaram a encher e a vazar um pouco mais depressa.

Vi ontem um monte de ossos, carne e tendões. Vi ontem tudo isso feito pé. Um pé lego. Peça a peça, da maior à mais pequena, tudo junto e bem ligado.

E vi gente a tentar sair da fila, mas sem primeiro aprender a caminhar fora dela. Cairam e eu ri só porque sim.

Sei sim que o pé jamais será pé, mesmo com todas as peças bem montadas, sei que nem todos serão capazes de dar o salto e ficar de pé e sei que daqui a duas luas, numa noite bem amarela, poderei voltar a contá-las do zero.

Wednesday 14 May 2008

.

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem a meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

Álvaro de Campos

Tuesday 13 May 2008

Changes

Era simples demais quando quase chovia. Umas gotinhas de água aqui e ali, a refrescar o ser. Meia dúzia de núvens acinzentadas a tapar o azul que logo depois haveria de voltar a brilhar.


Mas depois as núvens deixaram de ser só cinzentas e passaram a ser negras. Em vez de quase chover, choveu mesmo. Tanto, tanto... Ficaram inundadas as casas e as ruas deixaram de se ver, assim como o azul azul que dantes feria os olhos.

Mudou o tempo sem avisar. E eu que me recuso a andar de guarda chuva...

Wednesday 7 May 2008

Rodas

Pode não ser mau chorar, é até muito bom quando a lágrima corre pela linha do sorriso mais aberto que nunca. E depois perceber que o que tantas vezes se diz é tão verdade quanto o que se sente.

A distância como um fio de elástico que estica e encolhe à força da vontade e do querer. Porque descobri um dia que não há longe nem distância, que os metros são o que quisermos fazer deles e nada vale a pena se não se sentir um bocadinho.

O resto da história é simples. Porque a tangerina é bem pequena... E agora voltei a encontrar quem julgava ter perdido há uns pares de meses. Eu!

Sunday 20 April 2008

Bancos

Simples demais para poder ser complicado. Talvez complicado demais para poder ser simples, sei lá. Como na canção...

E mesmo que só a fazer de conta, os bancos nunca estão vazios. Os do carro, os da alma, os da esquina e os que guardam o dinheiro.

Sunday 13 April 2008

Ecos

"Também eu..."

(Se calhar era mentira, se calhar é verdade. Já não conto ter tempo para descobrir. Nem sempre se pode saber tudo...)

Wednesday 9 April 2008

Voltas

Era uma vez uma aldeia. Essa aldeia, como todas as aldeias, tinha casas e ruas e estradas e jardins e praças e todas as coisas que as aldeias têm.

Tudo isto seria nada, se a aldeia não fosse uma aldeia especial. Para além de todas as casas serem côr-de-rosa -como todas as nossas estradas sao pretas-, havia apenas uma lei a cumprir. Todos os habitantes, sem excepção, teriam de sorrir. Ora aquilo era muito estranho para quem por lá passava de caminho para um qualquer outro lado.

Certo dia, durante um funeral, um forasteiro ao presenciar a cena, perguntou à viúva mais sorridente que tinha conhecido na vida a razão de tanta alegria. "Mas nós estamos tristes! Não percebo a pergunta...", respondeu Margarida, ostentando o mais belo sorriso que herdara dos seus pais. Na verdade, atrás dos sorrisos estendidos de orelha a orelha, escondiam-se dores e amarguras, desgostos e frustrações...

Herminio, o forasteiro, deixou-se ficar. Margarida, ao voltar para a sua casa côr-de-rosa encontrou-o sentado num qualquer banco de jardim. Não sorria. Então o sorriso?", perguntou, "Não conhece a lei? Aqui, todos temos de sorrir. Sempre, sempre, sempre...". Herminio soltou um "não me apetece". Margarida pegou-lhe na mão e levou-o para casa. Ai finalmente deu descanso às bochechas e suspirou "a mim também não...".

Perderam-se nas horas por entre palavras e chávenas de chá. Amanheceu e Herminio partiu para voltar poucos dias depois. Trazia na mão um saco e uma lata. Margarida sorriu, de verdade e por dentro, ao ver tal figura abrir o portão. Não havia tempo a perder. Pegaram na lata e pintaram a casa de preto perante o espanto geral da multidão sorridente que se ia juntando no meio da rua. "A partir de hoje", disse Margarida, "hei-de sorrir só quando me apetecer, a partir de hoje a minha casa será negra. Negra. Porque sim...".

Nem Margarida sabia o que tinha feito. Aos poucos, as casas foram mudando de côr na aldeia e os sorrisos desaparecendo das caras. Dois meses depois não restava uma única casa côr-de-rosa e os raros viajantes e por lá passavam estranhavam ver tanta sisudez nos rostos.

Herminio e Margarida, agora que se tinham encontrado, viviam felizes na casa negra ao fundo da rua. No canto em que havia somente terra plantaram um jardim onde se deitavam ao sol e riam horas sem fim.

Numa manhã de chuva, Herminio partiu novamente para de novo voltar poucos dias depois. Desta vez trazia só uma lata na mão. Ficou feliz, Margarida, quando o viu chegar, tão longa tinha sido a espera. Pintaram a casa de côr-de-rosa num dia de sol enquanto se riam de todos os outros que nunca souberam sorrir de verdade...

Tuesday 8 April 2008

Um pouco quase muito

Eu gosto quando chove. Gosto quando chove e molho os pés na água fria. E gosto quando o vento parte os chapéus de chuva das pessoas que andam com chapéus de chuva.

E passo na rua e olho de lado quem de lado me olha.

E sinto.

E gosto quando a chuva quase molha, em dias quase perfeitos. Quase... Faltou qualquer coisa na mão estendida.

Wednesday 2 April 2008

Núvens

Viajavam em suaves nuvens de algodão doce. Durante as viagens, maiores que o próprio tempo, falavam de mundos e lugares e vidas e sonhos e tudo e nada. E riam com a única certeza de que nada mais existe senão, o agora que era só deles. Riam tanto por tão pouco.

Quando caia a noite e o azul do céu lentamente se ia transformando noutra côr, talvez mil e uma, pensavam em descer e logo desenhavam o minucioso plano de aterragem. O cálculo ao segundo, ao milimetro...

Depois, quando chegava a hora certa, e tudo apontava para que descesssem, deixavam-se ficar a ver as soturnas pessoas que lentamente se arrastavam um pouco mais abaixo deles. Tão pequenas lá em baixo.

Comiam bocadinhos pequenos de núvem mágica enquanto desciam só porque sim. Fora de horas e longe do lugar onde o tinham pensado fazer. Ao chegar ao chão olhavam um para o outro e diziam baixinho ao ouvido: "Havemos de voltar!". E voltavam, e voltaram até em dias quase sem núvens. Mas aquelas eram mais que nuvens, como eles eram mais que gente.

Monday 24 March 2008

Gotas

Milhares, milhões, milhares de milhoes de gotas de àgua e uma espécie de chuva que quase molha. Horas e horas, dias, meses e anos regados a àgua caida do céu.

Depressa se constroi a barragem que devagar encheu. Falta sempre qualquer coisa... Faltou espaço desta vez. Não transborda, rebenta. Pedras, cimento e peixes que por uns segundos sabem ser também pássaros sem asas nem penas.

Secam as nuvens e volta a brilhar o sol. Brilhará depois a lua de noite e a terra dará mais uma volta em torno de si mesma.

Talvez amanhã volte a chover. Talvez um dia os peixes voltem a voar.

Tuesday 18 March 2008

Nau

Os dialectos alcoólicos a meio da noite, o velho conhecido aparecido do nada com a sua garrafa ambulante logo transformada em bar fixo. A oportunista encostada ao canto do balcão qual pássaro à espera de migalhas. Tantas quantas o bolo tinha.

Depressa o sol se mostra anunciando o fim do dia. Depressa o sol se mostra anunciando um novo dia. O fim seguido do começo. Ciclo vicioso, ciclo viciado. "Porque me apetece! e depois?". E depois não há distância nem horas nem nada.(Canta e ri a menina com o bolo nas mãos). Entre a chegada e a nova partida poucos minutos passam. Bastaram, não sendo muitos.

De volta. Encontro corpos espalhados pelos cantos da casa sem perceber bem porquê. Novo acordar, novo ir. É forte o vento desta vez, forte demais. Novamente dormem e vou. Vou e volto. E ao voltar penso que se calhar tudo não passou de um sonho. Talvez tenha estado também a dormir. Talvez. Talvez o sol não tenha nascido três vezes no mesmo dia. Talvez nunca tenha sentido os degraus debaixo dos pés. Apesar de tudo tenho a certeza que sorri.

Monday 3 March 2008

Falta sempre qualquer coisa...


Um destes dias, talvez num daqueles em que chove miudinho, hei-de inventar uma outra máquina. Por enquanto nada posso fazer quanto à materializadora de coisas vistas.
Mas o impossível não existe, isso é certo e sabido, e nada me garante que, por um qualquer acaso, não haja mais que um monte de pixeis amarelados à tua frente.

Monday 25 February 2008

Passo

Estúpido engano este de pensar que os pés não são só nossos. Lembro-me de em tempos me criticarem o passo. Ora largo, ora breve, mas nunca o passo certo. O meu passo, sempre o meu passo.

Lembro também os dias em que as verdades absolutas eram nada mais que mentiras aos olhos dos outros, lembro tudo isso com o sorriso que se pode ter na cara tantos anos depois... Assim como recordo alguns dias, poucos, em que me apareciam certezas pela frente. Ir, ir, ir...

Falava contra o eco cruel das paredes pintadas de fresco. Ganhava forma o magro deus egipcio. O bem, o mal e a balança! Houve depois um dia em que tudo foi falso. Houve tempos para lá do dia em que tudo foi falso em que existir doía, doía demais. E doía querer e não ter, doía não poder ir. Mas a dor aguenta-se e faz-nos sentir. Transformei o não ter em não querer e o não poder ir em falta de vontade. No fundo, lá bem no fundo, continuavam a latejar os sonhos. Ir, ir, ir...

Tantas vezes a maré subiu e desceu, tantas vezes a vi depois de umas horas passadas entre carris e apostas. Tantos dias o sol se pôs. O passo. Mais uma vez o passo. Tentaram então acompanhá-lo. E acreditei que afinal fosse possível, acreditei que não poderia haver uma só medida criada propositadamente para mim. Acreditei até ao dia em que vi as cordas que prendiam as pernas. Era falso o andamento. O passo era só meu. De nada valia a vontade de o acompanhar por parte de outro alguém.

Segui sozinho o caminho, o meu caminho, por vezes sozinho demais, encontrei então à beira da estrada um pequeno monstro. Demos as mãos. Ouvi vezes sem conta as palavras que me mostrou. Ainda hoje as trago comigo.

Tempo, tempo, tempo... Passaram os dias e as gentes por mim, poucos guardei, poucos quis guardar. Eu e o monstro. À medida que os dias passavam perguntava a mim mesmo o quão justa seria a balança do tal senhor. Um deus por inteiro. Não era um semideus como se acham tantas das criaturas por este mundo fora, logo deveria ter alguma justiça em si. Morte, morte, morte, morte... Ir, ir, ir... O meu passo, eu e o monstro.

Subiram e desceram novamente mil e uma marés. Girou o mundo, cairam do frágil trapézio mihões de almas e mais uma vez pensei ser possível. Quatro pernas a caminhar lado a lado. Esquerda, direita, esquerda, direita, cadência quase perfeita. Quase. Isso. Quase, nada mais.

Sei agora mais que nunca que o passo é só meu e que a paz está no fim da linha, no fim do doce embalo da velha carruagem sem rumo. Ir, ir, ir...

Wednesday 6 February 2008

É bom saber que os há

ouvi dizer que o nosso amor acabou
pois eu não tive a noção do seu fim
pelo que eu já tentei
eu não vou vê-lo em mim
se eu não tive a noção de ver nascer um homem
e ao que eu vejo
tudo foi para ti
uma estúpida canção que só eu ouvi
e eu fiquei com tanto para dar
e agora
não vais achar nada bem
que eu pague a conta em raiva

e pudesse eu pagar de outra forma

ouvi dizer que o mundo acaba amanhã
e eu tinha tantos planos pra depois
fui eu quem virou as páginas
na pressa de chegar até nós
sem tirar das palavras seu cruel sentido
sobre a razão estar cega
resta-me apenas uma razão
um dia vais ser tu
e um homem como tu
como eu não fui
um dia vou-te ouvir dizer

e pudesse eu pagar de outra forma
sei que um dia vais dizer
e pudesse eu pagar de outra forma

a cidade está deserta
e alguém escreveu o teu nome em toda a parte
nos carros, nas casas, nas pontes, nas ruas
em todo o lado essa palavra
ora amarga, ora doce
repetida ao expoente da loucura
pra nos lembrar que o amor é uma doença
quando nele julgamos ver a nossa cura


não quis guardá-lo para mim
e com a dimensão da dor
legitimar o fim
eu dei
mas foi para mostrar
não havendo amor de volta
nada impede a fonte de secar
mas tanto pior
e quem sou eu para te ensinar agora
a ver o lado claro de um dia mau

eu sei
a tua vida foi
marcada pela dor de não saber aonde dói
mas vê bem
não houve à luz do dia
quem não tenha provado
o travo amargo da melancolia
e então rapaz então porquê a raiva
se a culpa não é minha
serão efeitos secundários da poesia

mas para quê gastar o meu tempo
a ver se aperto a tua mão
eu tenho andado a pensar em nós
já que os teus pés não descolam do chão
dizes que eu dou só por gostar
pois vou dar-te a provar
o travo amargo da solidão

é só mais um dia mau


para ver
para dar
para estar
para ter
para ir
pra ouvir
pra sorrir e entrar
para rir
pra voltar a tentar
pra sentir
e mudar
pra voltar a cair
para me levantar
para nunca mais tentar mentir
pra crescer
para amar

para ser o lugar
pra viver
e gostar de gostar de viver
pra fugir
pra mostrar
pra dizer
pra ter paz
pra dormir

pra fingir acordar

para ser derramar
para nunca mais tentar
mentir


vi do meu quarto a nuvem-mãe
em negra carga a par do fim
vibrou no vidro até se ouvir
eu abro a dor de ser quem sou
de tudo amar
vai pra casa
esquece a rua
que eu vi
hoje o tempo vai mudar

eu já trinquei a maçã
deixei-me olhar a fundo
mas eu acordo a cada dia
eu abro a dor de ser quem sou
de tudo amar
vai pra casa
esquece a rua
que eu vi
hoje o tempo vai mudar


estranha forma de acordar
que é estar pronto pra dormir
abre a porta e vê se o mundo ainda é teu
cedo vais-nos dar razão
como a vida nos convém
cedo irá arder nas minhas mãos

não vejo um homem para trás
não vejo medo para trás
não vejo portas para trás

meu mal é ver que eu vou bem

todo o mal e todo o bem
cedo voltará nós
inocente e trágica lição
se uma vida não chegar
hei-de ter cem vidas mais
quantas mais ditar o coração

não vejo estrada para trás
não vejo medo para trás
não há mais nada para trás

estranha forma de acordar
que é estar pronto pra dormir
abre a porta e vê se o mundo ainda é teu
cedo vai-nos dar razão
como a vida nos convém
cedo irá arder nas tuas mãos

meu mal é ver que eu vou bem


sente o nervo da manhã
vê como vibra para ti
vai ditar o rumo da razão
vê como olham para trás
vê como aguardam tua vez
do prisma inverso da ascenção
ascender
e acordei na minha cruz
a mesma carne
a mesma luz
um nada após a mortificação
e o melhor é que aprendi
a minha luta por aqui
voltámos a pisar o chão

dá-me a tua mão
e vamos ser alguém
a vida é feita para nós
acordar é bom
mais fácil é dormir
mas nem dormindo estamos sós

eu fui tão mau para mim
eu fui tão pouco para nós
bem que o meu pai quase me avisou
eu nasci sem entender
a forma certa de viver
até que a vida me ensinou
aprender
o que eu quis mostrar ao mundo
era tão forte e tão profundo
eu quase me afoguei na emoção
visitou-me um velho amigo
outrora solto em meu umbigo
eu dei-lhe abrigo na prisão
só que eu já não sei
mudou a força da razão
e não fui eu que a mudei
a vida tem um peso para nós
e pesa quando estamos sós

dá-me a tua mão
e vamos ser alguém
a vida é feita para nós
acordar é bom
mais fácil é dormir
mas nem dormindo estamos sós

O.M.E.M.
Oh mãe!

foi tão bom para ti
como foi para mim


leva qualquer eu a meu dia
da-me paz eu só quero estar bem
foi só mais um quarto uma cama
no meu sonho era tudo o que eu queria

quando alguém deixar de viver aqui
espera que ao voltar seja para ti
nada vai ser facil
nunca foi
quando alguém deixar de te dar amor
pensa que ha quem viva do teu calor
hoje é só um dia
e vai voltar amanha
e nao foi assim que o tempo nos fez
e fez assim com todos nós
e nao foi assim que a razao nos amou
e fez assim com todos nós
sao coisas
sao só coisas

se uma voz nos diz que é viver em vão
pra que raio fiz eu esta cancão
e se o fim é certo
eu quero estar ca amanhã
e nao foi assim que o tempo nos fez
e fez assim com todos nós
e nao foi assim que a razao nos amou
e fez assim com todos nós
sao coisas
sao só coisas

eu estou bem
quase tao bem
vê como é bom voltar a dizer
eu estou bem
quase tao bem
vê como é bom voltar a dizer
eu estou quase a viver


ao ver meu quarto aberto
alguém entrou
só no acender da luz
vê que eu não estou
eu jurei
quando eu voltar
ninguém mais vai entrar
para sempre eu vou esperar por ti

pára de olhar para mim
deixa-me ser alguém
tão cedo não vais ver ninguém

ao ver meu quarto aberto
alguém pensou
foi para mim que alguém assim o deixou
para quê mentir
se eu bem sei
que não há ninguém igual
para sempre eu vou esperar por ti

pára de olhar para mim
deixa-me ser alguém
tão cedo não vais ver ninguém

guardar cá dentro amor
não nos faz nada bem
quando cá fora o ódio quer entrar
fui morar pra paixão
pois eu sei
que não há melhor lugar
para sempre eu vou esperar por ti

pára de olhar para mim
deixa-me ser alguém
tão cedo não vais ver ninguém
eu só quero dar-te alguém melhor


eu vi que eu sou capaz
eu posso até sentir
isso vai fazer-nos tão bem
não nos deixei mentir
e agora tanto faz
vou dar o mundo a quem

e aparece assim
acendeu-se a luz
estão vivos outra vez

amar é bom se houver
no fundo de um de nós
alguma solidão
eu calo a minha voz
é tão bom ser mulher
descobrir quais são

e aparece assim
acendeu-se a luz
estão vivos outra vez
se é tão bom de ouvir
vivo para ti
até o nosso amor morrer

se eu não for capaz
eu espero vê-lo em ti
eis como me ajudar
sentir não é mostrar
e dar não é sentir
é morrer em paz

e aparece assim
acendeu-se a luz
estão vivos outra vez
se é tão bom de ouvir
vivo para ti
até o nosso amor morrer

mas deixa o nosso amor morrer


foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que há um fim

diz sem querer poupar meu corpo
eu ja nao sei quem te abraçou
diz que eu não senti teu corpo sobre o meu
quando eu cair
eu espero ao menos que olhes para trás
diz que não te afastas de algo que é também teu
não vai haver um novo amor
tão capaz e tão maior
para mim será melhor assim
vê como eu quero
e vou tentar
sem matar o nosso amor
não achar que o mundo é feito para nós

foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que há um fim


dá notícias do fundo
como passam teus dias
diz se a razão nos chega para viver
se amor nos serve
amor não dá de comer
fico melhor assim
em todo o caso vai pensando em mim

se tocámos em alguma coisa
se me chamas por algum motivo
se nos podem ver
se nos podem tocar

meu desejo
é morrer na paz do teu beijo
sem futuro
é lutar por um beijo mais puro

eu vou estar sempre aqui
nada vai mudar
sinto-te arder no meu fundo
eu vou estar sempre aqui
nada vai mudar
sinto-te entrar no meu mundo
fundo

nós tocámos em algumas coisas
nós seguimos por alguns sentidos
se nos podem ver
não nos podem tocar

meu desejo
é morrer na paz do teu beijo
sem futuro
é lutar por um beijo mais puro


não vou procurar quem espero
se o que quero é navegar
pelo tamanho das ondas
conto não voltar
parto rumo à primavera
que em meu fundo se escondeu
esqueço tudo do que sou capaz
hoje o mar sou eu
esperam-me ondas que presistem
nunca param de bater
esperam-me homens que desistem
antes de morrer
por querer mais que a vida
sou a sombra do que sou
e ao fim não toquei em nada
do que em mim tocou

eu vi
mas não agarrei

parto rumo à maravilha
rumo à dor que houver pra vir
se eu encontrar uma ilha
paro pra sentir
e dar sentido à viagem
pra sentir que eu sou capaz
se o meu peito diz coragem
volto a partir em paz

eu vi
mas não agarrei


chegámos ao fim da canção
e paro um pouco pra dormir
é tarde pra voltarmos atrás
já nem há motivo algum para rir
é como ouvir alguém dizer
vê nessa procura
uma razão
pra virar a dor para dentro
que é virar o amor para dentro
falo de um amar para dentro
que é virar a dor para dentro

eu vou dizer até me ouvir
a dor chegou para ficar
eu vou parar quando eu sentir
não haver motivo algum pra negar
é como ouvir alguém dizer
vê nessa procura
uma razão
pra virar a dor para dentro
que é virar o amor para dentro
falo de um amar para dentro
que é virar a dor para dentro

chegámos ao fim da canção
e paro um pouco pra dormir

Ornatos Violeta, "O Monstro Precisa de Amigos"