Saturday 20 June 2009



































































_

Saturday 25 April 2009

Trinta e cinco

E a culpa do aquecimento global é mesmo do gajo que inventou a máquina a vapor. De quem mais? Pouco importa o que veio depois, o que desperdiçamos dia após dia. As luzes acesas, a água a correr, os mil e um carros a andar para lado nenhum. Não temos culpa, não podemos, não queremos. A culpa é toda do tal homem que um dia teve uma ideia luminosa. Talvez fosse melhor viver sem motores. Era muito melhor, não haja quem duvide. Correr a Europa num carro de bois... As coisas eram diferentes, gozava-se mais...

A culpa foi toda dos gajos vestidos de verde. A culpa foi toda deles por quererem mudar alguma coisa, por quererem poder gritar na rua, por quererem poder ler. Ler, ouvir, falar. E é tão fácil agora não é? Porque só naqueles dias em que a luz falta se percebe a falta que na verdade faz. Em cada um que entrou na Cidade estava escondido um potencial currupto, era isso. Porque o sonho, o sonho não tinha nada que ver com liberdade... O sonho só tinha que ver com dinheiro, taxas de juro, spreads, bancos e offshores.

E é tão fácil agora, à distância de trinta e cinco anos dizer que estava tudo bem. É tão fácil gostar de um pobre que pobre morreu...

Porque isto é como tudo, e como dizia o senhor Fernando há-de chegar o dia em que só há a lembrança no dia do nascimento e da morte, todos os outros serão iguais... Porque já ninguém olha para a esquina mais próxima quando diz mal do engenheiro. Ou será que olha? Será que já se olha? Será como naquela quinta famosa?

A culpa toda é daqueles que tentaram um dia mudar alguma coisa e não de todos os outros que agora que ainda podem falar, se calam. A culpa é toda deles. Ou será que é nossa? Deve ter sido bonito o dia onde os rádios poderam tocar mais alto.


do sorrir

"Found only on the islands of Oahu, Molokai, Maui, and Hawai, the happy face spider, is known for the unique patterns that decorate its pale abdomen. Scientists believe Theridion grallator may have developed its distinctive markings to discourage birds from eating it."

[theridion grallator]

Friday 24 April 2009

Teste

Uns
Outros

Eu


feito por aqui

Thursday 23 April 2009

Acordar

Manhã. Cinzento e o gato deixa de ser pardo. Há agora um gato malhado à porta e agora que penso nisso reparo que ainda este ano não vi andorinhas.

Gotas

Noite.

Um gato pardo à beira da porta. Chove. Um gato pardo à chuva... Rua. Àgua. E a falta por entre as gotas...

Porque houve dias em que chovia miudinho e os risos eram maiores...

Saudade...

Sunday 19 April 2009

Das caixas escondidas num sótão qualquer

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

Natália Correia, "Queixa das almas jovens censuradas"

Friday 17 April 2009

Dilúculo

Partida ao meio. A lua.

E cá em baixo, um banco verde, casas azuis com desenhos de janelas-de-luz-acesa, garrafas vazias, latas vazias, vidros no chão, copos cheios, copos vazios. Uma brisa leve... Cinco vezes noventa e nove. O mesmo banco. Transeuntes que vão passando. Abanam devagar. Tivessem giz nos pés e o chão seria todo ondas brancas. Falo em ondas e lembro o mar. A brisa outra vez mas agora sem sal, sem o cheiro-casa que nem é meu mas que gosto.

Lembro agora o primeiro dia. Manhã de sol e a mão a tremer. Janelas de vidro. Calor. Calor. Calor. Não há longe, não há longe, não há longe...

de repente, o banco faz-se escada, a janela branca janela verde, o cigarro no chão cigarro na mão, a mulher velha homem velho, o cimento pedras, a rua largo, e, num instante breve, deixa de haver tempo e estamos de novo encostados à grossa porta de madeira no instante em que uma cara ensonada larga um "bom dia" e se prepara para a abrir.

"Não há longe nem distância"

Meia bolacha no céu. Meia bolacha brilhante no céu. E o sol a bater de mansinho nas costas.

Tuesday 7 April 2009

Infinito

adj.
Não finito; sem fim.
Ilimitado, eterno.
Absoluto.
Inumerável.

adj. s. m.
Infinitivo.

s. m.
O tempo ou o espaço.
O absoluto.
O que a razão humana não pode alcançar.

adv.
Infinitamente.
Excessivamente.
Muitíssimo.

Sunday 5 April 2009

Sol

As dores nos pés e as sapatilhas apertadas, o sono e as linhas trocadas, a porta grande e o campo maior -maior que o alcançe da vista-, os cabelos agora já feitos brancos pelo tempo. E os dias? O correr dos dias lá no meio da palha certamente seria diferente. As ruas, o acaso, o mapa virado ao contrário que encontrar o norte nem sempre é fácil. O homem do instrumento mágico e a caixa de música e as mil e uma torres... Talvez tenha sido a vontade de chegar ao céu, a vontade de chegar mais longe ainda antes de haver cêntimos de Euro. E a cave escondida, as pedras velhas, os homens que aguentam casas às costas sem nunca se cansarem...

A neve numa bola de vidro.

E é tudo tão simples como na canção...

Da mochila às costas

Nada te espanta, nada te encanta
Nada te tomba ou te levanta
Sem passar dentro de ti
Nada te gera, nada te espera
Nao ha outono nem primavera
Sem que o sintas a surgir

Tu és a escala
A mão que embala
Tomas bem conta de ti
Tu és a escala
A mão que embala
Tens um rumo a seguir

E nada te atrasa, nada te arrasa
Nem que no céu percas uma asa
Vais pegar de novo em ti
Nada te usa, nada te escusa
Mesmo se o mundo inteiro te acusa
Só tu sabes pra onde ir

Tu és a escala
A mão que embala
Tomas bem conta de ti
Tu és a escala
A mão que embala
Tens um rumo a seguir

E nada te esmaga, nada te acaba
Nada te encolhe, nada te alarga
Nada te tenta, nada te inventa
Nada te pesa, nada te aguenta
Nada te falha, nada te empurra
Nada se ri enquanto te esmurra
Nada te esfria, nada te guia
Nada te ofende ou te desvia

Nada te pára

Jorge Cruz, "Nada"

Saturday 21 March 2009

Dez

Dez, dois, quatro, seis... É um bocado estranho isto de falar de números e números e conversões de metros em coroas e quilómetros em dias, anos-luz em algo que se antenda...

A distância que a luz percorre num ano? Como se não fosse do senso comum que a luz é uma coisa que simplesmente é... Anda lá agora ela a passear pelo espaço, do sol à terra, da terra à lua de uns olhos para os outros. A luz é quieta e a terra redonda e está quieta também e o sol é que gira.

Lembro-me da aranha e antes de dormir como papas de leite mesmo que só a fazer de conta, mesmo sem sono nem dormir nem cama nem lugar nem leite nem nada. Resta o pão.

Tem uma certa graça tudo isto.

Talvez agora seja já nove. Sejam. E de caminho, quantas partes tem um frango? Um frango assado...

Estações - Milan

Wednesday 11 March 2009

Rae

Dizia a lili que estar vivo é o contrário de estar morto, talvez não fosse assim tão absurda a frase embora o pareça.

Mozart, está vivo ou morto? Shakespeare, Orwell, Saint-Exupéry, Cobain... Estes todos que se conhecem só das palavras e ainda mais alguns que pudémos abraçar antes de dormir e sussurrar meia dúzia de palavras ao ouvido. Mortos ou vivos?

E quantos mortos andam pendurados pelo mundo mesmo que respirem todos os dias, que o coração lhes bata a todos os segundos?

No meio disto tudo, os sonhos. Aqueles de dormir, e os outros de olhos abertos que fazem olhar para o lado e estender a mão mesmo que agora nada tenha que ver com vida e morte mas sim com outra qualquer coisa também quase surreal, como o facto de as formigas trabalharem para o formigueiro enorme e eu não achar grande piada a abelhas a não ser desenhadas em qualquer coisa, se não também podia falar de hexágonos perfeitos.

Porque hoje havia alguém que vendia girassóis na rua.

Estações - Wien

Monday 9 March 2009

Preço

Dois cêntimos. Valem quanto? Tanto quanto a vida dizem uns, mais que ela dirão outros. E o sol? Vale o quê? A algazarra nas ruas, o barulho dos autocarros, o poder ver um planeta estrela durante quase todos os dias que o ano tem, o saber em que estado está a lua -se bolacha trincada, se bola redonda e brilhante-, o sorriso do puto reguila às primeiras horas da manhã, a gorda do café que anda arrastando os pés tal a falta de força que tem -para viver também-, o travo amargo do café tantas vezes bebido só porque sim, o frio das pedras húmidas, tudo coisas que são quase nada para quem não repara.

Ouço uma velha canção que fala de gente que vive sem dar por nada.

Sim, que há quem viva sem saber da festa e dos foguetes, sem saber da primeira estrela que se mostra todos os dias, da cidade debaixo da cidade, da beleza das letras independentemente da forma com que as juntam, da distância que a luz percorre num ano e que comparados com a dimensão de um formigueiro à escala da formiga tudo o que os homens erguem soa a minúsculo. E as pontes? O cerco às cidades? Coisas, são tudo coisas...

Do fundo do tempo fala uma voz rouca e cansada, diz que o amanhã não existe, fala de meteoritos e bombas, carteiras roubadas e sorrisos. Sorrio também e adormeço embalado pelas palavras, afinal, nem todos tiveram o prazer de pisar um chão-obra-de-arte enquanto o tempo parava de dois lados da mesma rua.

Thursday 5 March 2009

Das coisas que levam a todo o lado




Brno Technical Museum

Monday 2 March 2009

Da torre


A vista...

Saturday 28 February 2009

E depois há os outros

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…

A mágoa dos outros?… Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros…

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada…
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas…
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além…
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido…
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia…

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos…
Se queres matar-te, mata-te…
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! …
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?

Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objetiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células noturnamente conscientes
Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atômica das coisas,
Pelas paredes turbihonantes
Do vácuo dinâmico do mundo…

Álvaro de Campos

Friday 27 February 2009

Horas

O gelo derrete num barulho irritante. Um tic-tac diferente daquele dos segundos, como se o tempo tomasse outro compasso marcado por gotas de água. E num repente, entre duas, que vão caindo, notam-se coisas que nunca antes se tinham visto, como aquele rasgo pequeno no papel de parede já gasto, ou até mesmo as estrelas deixadas no tecto por alguém que gostava de adormecer a olhá-las. Perderam o brilho entretanto e já nem o sorriso desenhado na lua apresenta a mesma nitidez.

O crocodilo de neve desapareceu e há perguntas ainda sem resposta.

Porque é que os pinguins não congelam?

Tuesday 24 February 2009

(0.01€)x2


E quanto podem valer dois cêntimos?

Monday 23 February 2009

Paprika

imaginem
um abraço
o meu queixo
pousado no teu ombro
e eu viajando
no teu cheiro
pelos trilhos do silêncio

é o cenário possível
de um homem sozinho
de cerveja na mão

sentado na varanda
olhando a lua
e a comer pimentos padrão
comê-los contigo era perfeito

como olhar esta cidade à noite
olhá-la contigo era pensar
noutras formas de ver

Manel Cruz, "O Cenário Possível"

Friday 20 February 2009

Clio

há uma linha-fio-se-seda à qual não se pode fugir nunca. as aranhas são muitas e todas "falam" com todas como se toda a vida fosse um qualquer "complot" engendrado por elas. recuso-me a matar uma aranha que seja. nem sei bem porquê, mas a história da teia fascina-me desde sempre.

Wednesday 18 February 2009

Rua

As árvores vergam-se ao peso da água que passa e numa delas um melro de bico mais vermelho que laranja, canta, uma melodia quase tão melancólica quanto alegre. Deve sentir, concerteza. Deve sentir o frio nas asas, o arrepio na pele, o vento nos olhos... Mesmo assim, canta. Faz frio lá fora. Talvez tenha descoberto que as canções aquecem a alma.

Os melros têm alma?

Há tartarugas no alasca?

Caixa


"e bebo as palavras e quase que me engasgo"

Tururu...


"Andamos todos uma casa ao nosso lado"

Monday 16 February 2009

Estações - Brno



Estações - Bratislava




Friday 13 February 2009

das mãos compridas

Houve um tempo em que os anjos da guarda sobreviviam e viviam felizes e contentes e faziam o seu trabalho das nove às cinco. Horas extra, se fosse preciso. Era outro tempo. Agora prostituem-se pelas ruas do seu mundo e esquecem-se porque existem.

Wednesday 11 February 2009

!Frio

Um crocodilo de neve abre a boca para o pato que não passa. Uma bola vermelha a voar por entre os ramos e tudo o que era verdade num repente transforma-se em quase nada.

Friday 6 February 2009

É bom saber que os há

ouvi dizer que o nosso amor acabou
pois eu não tive a noção do seu fim
pelo que eu já tentei
eu não vou vê-lo em mim
se eu não tive a noção de ver nascer um homem
e ao que eu vejo
tudo foi para ti
uma estúpida canção que só eu ouvi
e eu fiquei com tanto para dar
e agora
não vais achar nada bem
que eu pague a conta em raiva

e pudesse eu pagar de outra forma

ouvi dizer que o mundo acaba amanhã
e eu tinha tantos planos pra depois
fui eu quem virou as páginas
na pressa de chegar até nós
sem tirar das palavras seu cruel sentido
sobre a razão estar cega
resta-me apenas uma razão
um dia vais ser tu
e um homem como tu
como eu não fui
um dia vou-te ouvir dizer

e pudesse eu pagar de outra forma
sei que um dia vais dizer
e pudesse eu pagar de outra forma

a cidade está deserta
e alguém escreveu o teu nome em toda a parte
nos carros, nas casas, nas pontes, nas ruas
em todo o lado essa palavra
ora amarga, ora doce
repetida ao expoente da loucura
pra nos lembrar que o amor é uma doença
quando nele julgamos ver a nossa cura


não quis guardá-lo para mim
e com a dimensão da dor
legitimar o fim
eu dei
mas foi para mostrar
não havendo amor de volta
nada impede a fonte de secar
mas tanto pior
e quem sou eu para te ensinar agora
a ver o lado claro de um dia mau

eu sei
a tua vida foi
marcada pela dor de não saber aonde dói
mas vê bem
não houve à luz do dia
quem não tenha provado
o travo amargo da melancolia
e então rapaz então porquê a raiva
se a culpa não é minha
serão efeitos secundários da poesia

mas para quê gastar o meu tempo
a ver se aperto a tua mão
eu tenho andado a pensar em nós
já que os teus pés não descolam do chão
dizes que eu dou só por gostar
pois vou dar-te a provar
o travo amargo da solidão

é só mais um dia mau


para ver
para dar
para estar
para ter
para ir
pra ouvir
pra sorrir e entrar
para rir
pra voltar a tentar
pra sentir
e mudar
pra voltar a cair
para me levantar
para nunca mais tentar mentir
pra crescer
para amar

para ser o lugar
pra viver
e gostar de gostar de viver
pra fugir
pra mostrar
pra dizer
pra ter paz
pra dormir

pra fingir acordar

para ser derramar
para nunca mais tentar
mentir


vi do meu quarto a nuvem-mãe
em negra carga a par do fim
vibrou no vidro até se ouvir
eu abro a dor de ser quem sou
de tudo amar
vai pra casa
esquece a rua
que eu vi
hoje o tempo vai mudar

eu já trinquei a maçã
deixei-me olhar a fundo
mas eu acordo a cada dia
eu abro a dor de ser quem sou
de tudo amar
vai pra casa
esquece a rua
que eu vi
hoje o tempo vai mudar


estranha forma de acordar
que é estar pronto pra dormir
abre a porta e vê se o mundo ainda é teu
cedo vais-nos dar razão
como a vida nos convém
cedo irá arder nas minhas mãos

não vejo um homem para trás
não vejo medo para trás
não vejo portas para trás

meu mal é ver que eu vou bem

todo o mal e todo o bem
cedo voltará nós
inocente e trágica lição
se uma vida não chegar
hei-de ter cem vidas mais
quantas mais ditar o coração

não vejo estrada para trás
não vejo medo para trás
não há mais nada para trás

estranha forma de acordar
que é estar pronto pra dormir
abre a porta e vê se o mundo ainda é teu
cedo vai-nos dar razão
como a vida nos convém
cedo irá arder nas tuas mãos

meu mal é ver que eu vou bem


sente o nervo da manhã
vê como vibra para ti
vai ditar o rumo da razão
vê como olham para trás
vê como aguardam tua vez
do prisma inverso da ascenção
ascender
e acordei na minha cruz
a mesma carne
a mesma luz
um nada após a mortificação
e o melhor é que aprendi
a minha luta por aqui
voltámos a pisar o chão

dá-me a tua mão
e vamos ser alguém
a vida é feita para nós
acordar é bom
mais fácil é dormir
mas nem dormindo estamos sós

eu fui tão mau para mim
eu fui tão pouco para nós
bem que o meu pai quase me avisou
eu nasci sem entender
a forma certa de viver
até que a vida me ensinou
aprender
o que eu quis mostrar ao mundo
era tão forte e tão profundo
eu quase me afoguei na emoção
visitou-me um velho amigo
outrora solto em meu umbigo
eu dei-lhe abrigo na prisão
só que eu já não sei
mudou a força da razão
e não fui eu que a mudei
a vida tem um peso para nós
e pesa quando estamos sós

dá-me a tua mão
e vamos ser alguém
a vida é feita para nós
acordar é bom
mais fácil é dormir
mas nem dormindo estamos sós

O.M.E.M.
Oh mãe!

foi tão bom para ti
como foi para mim


leva qualquer eu a meu dia
da-me paz eu só quero estar bem
foi só mais um quarto uma cama
no meu sonho era tudo o que eu queria

quando alguém deixar de viver aqui
espera que ao voltar seja para ti
nada vai ser facil
nunca foi
quando alguém deixar de te dar amor
pensa que ha quem viva do teu calor
hoje é só um dia
e vai voltar amanha
e nao foi assim que o tempo nos fez
e fez assim com todos nós
e nao foi assim que a razao nos amou
e fez assim com todos nós
sao coisas
sao só coisas

se uma voz nos diz que é viver em vão
pra que raio fiz eu esta cancão
e se o fim é certo
eu quero estar ca amanhã
e nao foi assim que o tempo nos fez
e fez assim com todos nós
e nao foi assim que a razao nos amou
e fez assim com todos nós
sao coisas
sao só coisas

eu estou bem
quase tao bem
vê como é bom voltar a dizer
eu estou bem
quase tao bem
vê como é bom voltar a dizer
eu estou quase a viver


ao ver meu quarto aberto
alguém entrou
só no acender da luz
vê que eu não estou
eu jurei
quando eu voltar
ninguém mais vai entrar
para sempre eu vou esperar por ti

pára de olhar para mim
deixa-me ser alguém
tão cedo não vais ver ninguém

ao ver meu quarto aberto
alguém pensou
foi para mim que alguém assim o deixou
para quê mentir
se eu bem sei
que não há ninguém igual
para sempre eu vou esperar por ti

pára de olhar para mim
deixa-me ser alguém
tão cedo não vais ver ninguém

guardar cá dentro amor
não nos faz nada bem
quando cá fora o ódio quer entrar
fui morar pra paixão
pois eu sei
que não há melhor lugar
para sempre eu vou esperar por ti

pára de olhar para mim
deixa-me ser alguém
tão cedo não vais ver ninguém
eu só quero dar-te alguém melhor


eu vi que eu sou capaz
eu posso até sentir
isso vai fazer-nos tão bem
não nos deixei mentir
e agora tanto faz
vou dar o mundo a quem

e aparece assim
acendeu-se a luz
estão vivos outra vez

amar é bom se houver
no fundo de um de nós
alguma solidão
eu calo a minha voz
é tão bom ser mulher
descobrir quais são

e aparece assim
acendeu-se a luz
estão vivos outra vez
se é tão bom de ouvir
vivo para ti
até o nosso amor morrer

se eu não for capaz
eu espero vê-lo em ti
eis como me ajudar
sentir não é mostrar
e dar não é sentir
é morrer em paz

e aparece assim
acendeu-se a luz
estão vivos outra vez
se é tão bom de ouvir
vivo para ti
até o nosso amor morrer

mas deixa o nosso amor morrer


foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que há um fim

diz sem querer poupar meu corpo
eu ja nao sei quem te abraçou
diz que eu não senti teu corpo sobre o meu
quando eu cair
eu espero ao menos que olhes para trás
diz que não te afastas de algo que é também teu
não vai haver um novo amor
tão capaz e tão maior
para mim será melhor assim
vê como eu quero
e vou tentar
sem matar o nosso amor
não achar que o mundo é feito para nós

foi como entrar
foi como arder
para ti nem foi viver
foi mudar o mundo
sem pensar em mim
mas o tempo até passou
e és o que ele me ensinou
uma chaga pra lembrar que há um fim


dá notícias do fundo
como passam teus dias
diz se a razão nos chega para viver
se amor nos serve
amor não dá de comer
fico melhor assim
em todo o caso vai pensando em mim

se tocámos em alguma coisa
se me chamas por algum motivo
se nos podem ver
se nos podem tocar

meu desejo
é morrer na paz do teu beijo
sem futuro
é lutar por um beijo mais puro

eu vou estar sempre aqui
nada vai mudar
sinto-te arder no meu fundo
eu vou estar sempre aqui
nada vai mudar
sinto-te entrar no meu mundo
fundo

nós tocámos em algumas coisas
nós seguimos por alguns sentidos
se nos podem ver
não nos podem tocar

meu desejo
é morrer na paz do teu beijo
sem futuro
é lutar por um beijo mais puro


não vou procurar quem espero
se o que quero é navegar
pelo tamanho das ondas
conto não voltar
parto rumo à primavera
que em meu fundo se escondeu
esqueço tudo do que sou capaz
hoje o mar sou eu
esperam-me ondas que presistem
nunca param de bater
esperam-me homens que desistem
antes de morrer
por querer mais que a vida
sou a sombra do que sou
e ao fim não toquei em nada
do que em mim tocou

eu vi
mas não agarrei

parto rumo à maravilha
rumo à dor que houver pra vir
se eu encontrar uma ilha
paro pra sentir
e dar sentido à viagem
pra sentir que eu sou capaz
se o meu peito diz coragem
volto a partir em paz

eu vi
mas não agarrei


chegámos ao fim da canção
e paro um pouco pra dormir
é tarde pra voltarmos atrás
já nem há motivo algum para rir
é como ouvir alguém dizer
vê nessa procura
uma razão
pra virar a dor para dentro
que é virar o amor para dentro
falo de um amar para dentro
que é virar a dor para dentro

eu vou dizer até me ouvir
a dor chegou para ficar
eu vou parar quando eu sentir
não haver motivo algum pra negar
é como ouvir alguém dizer
vê nessa procura
uma razão
pra virar a dor para dentro
que é virar o amor para dentro
falo de um amar para dentro
que é virar a dor para dentro

chegámos ao fim da canção
e paro um pouco pra dormir

Ornatos Violeta, "O Monstro Precisa de Amigos"

Saturday 31 January 2009

do amarelo das caras

Boca e olhos e tudo mais dentro de um sonho. Vozes e risos dignos de um qualquer prémio nobel ainda por inventar. Dos dias, ficam as horas presas ao papel de parede com pionés ferrugentos, à espera de partir, só isso. Partir como as pedras da calçada nas mãos de um qualquer artista incógnito, pintor de ruas mais apreciadas pelas solas de sapatos do que por olhos. É uma pena que andem tantos fechados, mesmo que aparentemente abertos.

(Tenta dormir uma noite de olhos abertos e conta depois da tua manhã. Conta do que viste. Talvez um reino de batas brancas de gotas em punho. Talvez isso, talvez nada.)

Gritam-me aos ouvidos. Gritos sem voz, seja lá o que isso for, ensurdecem na mesma.

-E o vidro é castanho porquê?

"Se calhar nem temos o direito de...", se calhar até não, mas o mundo perfeito é ali ao virar da esquina, onde toda a gente estudou para tudo e nunca um livro foi trocado por uma garrafa. Pena que daqui ao virar da esquina seja mais longe do que o espaço que os olhos mostram ser daqui ao virar da esquina.

Enquanto tudo, o sol teima em não aparecer, continua a haver café com leite e pão com manteiga às quatro da tarde num reino não muito longe de nós e o relógio da estação continua preso num tempo que é de ninguém. Mesmo assim, certo, duas vezes por dia...

Wednesday 28 January 2009

coiso

"fechas a porta à chave com duas voltas e sais". mas a casa é grande. grande demais. e no silêncio imenso que deixas para lá dos passos a velha aranha conversa sem tempo com a formiga pequena. baixo. quase em surdina. não se pode assustar a mosca almoço. da aranha ou do camaleão. vida tão reles a da mosca, a poisar de merda em merda, dia após dia, sem rumo aparente. ainda foge da mão humana mas voa alegremente em direcção à teia sem evitar o olhar do bicho verde. a porta está fechada e daqui a pouco, a casa mais vazia.

Saturday 24 January 2009

pfff

Cascas de noz num mar imenso à descoberta de novos lugares, rumo ao fim do mundo que não existia -as rodas não têm fim. nem começo-. Nem antípodas, nem adamastor, só o mar a frente e a terra longe mais o resto que por lá havia. A gente de muita coragem em busca da glória.

A coragem do El-Rei sentado no trono de veludo. Ontem, como hoje, mesmo sem Rei. Mudam os nomes e os lugares onde se sentam, que agora também já temos cadeiras suecas a preços baixos, não muito longe de Belém. Da nossa Belém, ali ao pé do tejo, sem fome, nem mortos a tiro pela madrugada.

É uma pena ver as figurinhas de papel todas amarrotadas dentro de uma caixa vazia. Tenho esperança mesmo assim. O benfica jogou ontem e amanhã não é dia de trabalho, não se tem falado de dores de barriga e com este tempo não há muito que fazer, também não se consta que haja engarrafamentos ao domingo. Que sejam muitos, vão pela manhã, bem cedo. Não me esperem. Vou lá ter...

Sunday 11 January 2009

Dantes

quantos "dantes", quantos? quando a escola era ali ao lado e os postes de telefone ainda não tinham sido plantados. ou então, quando ali em baixo, junto ao rio, o ar era diferente, mais leve... dantes. quando os comboios eram movidos a pouco mais que vapor de água e até se podiam apanhar em andamento. e os dias em que à porta de uma qualquer tabacaria também nossa se ouvia um "Adeus ó Esteves!" -todos tivemos um Esteves num dantes qualquer da nossa vida-.

e dantes, quando um quilo de arroz custava não sei quanto, as madrugadas dormiam-se num pesado sono de inverno.

"mas tudo isso passou
foi o tempo que nos matou."

Saturday 10 January 2009

Fm...

Tolerância! Nós agora somos todos muito tolerantes... Cada um tem a sua liberdade, todos podemos fazer tudo -ou quase tudo- sem sermos incomodados... Interessa lá ser pobre ou rico... Com isto da tolerância agora... Temos é que ser tolerantes... E se há gente pobre a dormir debaixo das pontes não importa -tolerância- não os vamos incomodar, afinal os ricos também o podem fazer, têm liberdade para isso... É a igualdade de oportunidades...

Thursday 8 January 2009

Flight lesson # 2

E se a fome for muita e a escolha recair entre um pedaço de pão e um prato de sopa ou uns sapatos escolhe os sapatos pois o pão e a sopa acalmam o vazio do estomâgo mas logo acabam e descalço no meio da neve e do gelo não podes ir em busca de mais comida e depressa acabarás por morrer, com os sapatos nos pés podes.

Saturday 3 January 2009

Meias palavras

Ouve-se daqui as vozes na casa ao lado. Caem pelo tecto oco -que agora até os tectos são falsos-. Caem as palavras e uns sons de xilofone velho, mais o leve bater de chinelos no corredor que leva da varanda ao quarto.

Numa casa aqui ao lado. Sempre ao lado e tudo deixa de fazer sentido se é que é suposto haver algum em tudo isto que é a coisa a que se deu o nome de vida. Ou vidinha, que um diminuitivo fica sempre bem...

Depois, um pouco mais tarde, pego nas letras e junto-as todas. Faço palavras e deixo as frases de parte que o sentido é sempre uma coisa muito abstracta e do lado de fora nada soa como no lado de dentro -e estas coisas são já divagações estranhas aos crocodilos que caem de paraquedas em plena Patagónia- como tudo o que é visto pelo lado errado da folha de papel.

O chá sabe a verde e mel. Sabe a maçãs e canela. Sabe a tudo e a nada e os espelhos reflectem coisas. 

E se é possível que haja gémeos diferentes, saidos da mesma mãe à mesma hora mais minuto menos minuto -um preto e outro branco, ou negro e mais clarinho que isto são só palavras- é para mim também possível uma espécie de contrário.  

Na rua não faz sol nem frio nem chuva nem vento nem luar nem nada. Pelo menos hoje e agora que escrevo.