Friday 28 December 2007

Contradições

É se calhar fácil matar, pela madrugada será melhor segundo dizem alguns. Não sei se acredite. Talvez pela noite não seja tão mau assim, os gritos a rasgar o silêncio... Gritos? Há quem morra sem gritar, até quem morra sem dar por nada, sem ter dado por nada, pelo nada da (sua) vida e das vidas que lhe giravam à volta. Devem haver os outros que dão por tudo até à ultima gota de sangue que cai na lama. O mundo a girar e as mãos quentes, metálicas demais do cheiro rubro.

O corpo frio no chão quente, a lâmpada partida a enfeitar o céu, mais um menos um, mais carne menos carne, mais homem menos homem, mais ser menos ser. Na grande mesa comprida (se calhar redonda) não faltarão razões para celebrar outro dia que passou.

Monday 24 December 2007

Natal

Dia de Natal e de lua cheia. Imagem curiosa ao fundo da rua. Haverá algures uma espécie de precipicio, haverá lá espaço também, faltará sempre um par de braços.
Memórias e sonhos misturados com sorrisos de algodão e palavras mágicas. Tanto tempo, (meu Deus), tanto, tão pouco. Olho para as palavras cheias de pó e não lhes vejo já sentido, leio as entrelinhas mas não as entendo agora. Passam os dias, os meses, os anos, até mesmo as horas e o resto das medidas crueis e ingratas, crescem os metros, desaparecem os espaços.

Deviam ter-me dito que a vida também cobra juros.

Até as estações fecham quando se querem abertas.

Linhas e fios, trapos e cestos, garrafas partidas e mãos soltas por aí. Canções e contos, corridas e desesperos. Mais um dia, mais um ano, mais um minuto.
?

Tuesday 18 December 2007

Dias

Nos dias em que as caras se abrem ao mundo em forma de vozes que saltam das gargantas outrora apertadas demais para poderem deixar escapar palavras, nesses dias em que as horas correm sem pressa ou sem vagar dependendo do que os olhos conseguem avistar e o coração sentir, nos chamados dias úteis, aqueles que fazem bem ao monte de átomos que somos, há pontes e jardins e praças e cores e pinceis e telas e desenhos e palavras pintadas nas ruas e ideias que voam e rodopiam tal qual a folha castanha embalada pelo vento.

Nas portas abertas onde homens de batas manchadas sorriem e olham e sentem, nessas portas que só se abrem a quem lá entra, há calor mesmo no mais frio dia do ano.

Gotas

Chegou o frio que congela as almas se é que elas existem, se não forem as almas que congelam será certamente algo que faz sentir. Entra por todo o lado e amolece o ser, aprisiona os gestos, confunde o querer...

Hoje o frio foi embora, está um belo dia de chuva!

E tu, já tiveste um coração nas mãos?

"uma vez apareceu-me um puto. tinha tido um acidente e naquela coisa de ver o que dá abriu-se o peito e olha. peguei nele e ainda vi se começava a bater, mas não valia a pena. quando o corpo não quer não dá. mas foi uma sensação estranha, ter ali o coração nas mãos, literalmente, estranho mas bom ao mesmo tempo. enfim, não se safou, quando o corpo não quer não se pode fazer nada"

D.Sebastião, Rei de Portugal

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Fernando Pessoa, "Mensagem"

Tuesday 11 December 2007

Entrelinhas

É sempre fácil no meio do silêncio ouvir até uma gota de água a cair na terra, é fácil ouvir o grito do outro lado da rua. É fácil ver a luz, por mais ténue que seja, na mais prufunda escuridão.

Dificil é perceber as palavras no meio do barulho e ver a fraca luz de uma lanterna no mais claro dia de sol.

Sunday 9 December 2007

Passos

Tento perceber as caras e os gostos, os olhares e algumas palavras, mas já tudo me é estranho. As maneiras de ser, de estar e de querer de quase todos, os gestos e os sentires...

Aprecio e admiro os dois ou três resistentes que teimam em querer fazer algo de bom, seja lá isso o que for. Vejo ainda nos olhares de poucos o brilho de quem se acha capaz de construir um mundo melhor ao ritmo de pequenos gestos.

O mais são só comboios a passar, e corpos à espera de partir num deles. E lá ao fundo -sempre algo diferente ao fundo- há quem se vá entretendo a pintar a grande parede de tijolos velhos com um azul cor de céu.

Wednesday 5 December 2007

Cores

Varia o tom, só isso. Ora amarelo, ora azul, vermelho até por vezes. O drama é sempre o mesmo, o drama ou a falta dele, nos ovos que teimam em perder a forma, no azul que por vezes teima em fugir. Na pasta encarnada que pode não ser bem o que se está à espera que seja. 


Saborear, só isso e nada mais, dia após dia até ao dia em que todo o gosto, todos os gostos sejam perdidos. Dia longe, espero eu.

Friday 30 November 2007

?

E lá longe, na terra em que a água corre de baixo para cima e os dias não acabam nem começam, nessa terra onde, se calhar, dançam pequenas criaturas verde-alface ou então enormes seres amarelos com pés de barro vermelho. No lugar que fica entre aquelas duas estrelas bem pequenas, mas nem por isso pouco brilhantes, lá, lá longe, haverá música?

Avesso

Como se no mais simples dos dias tudo houvesse à volta. O mar ali ao lado em forma de rio sujo, o horizonte em forma de casas que crescem rumo ao céu. Os sorrisos nas caras mais fechadas que nunca, os risos também nas discussões fúteis travadas nas esquinas. O querer no não querer de quase todos o sentir que sim no não dos seres à volta. O ver, o ver de olhos fechados, mais que ver para dentro, ver para fora. De olhos fechados.

Wednesday 28 November 2007

618236981457789 peças

Se calhar está mesmo escrito nas estrelas ou na palma da mão. Pode estar até rabiscado nesses graffities que se vêm nos comboios, Quem sabe se anda a a boiar numa garrafa fechada atirada ao mar num dia de sol. Andará a boiar numa garrafa fechada atirada ao mar num dia de chuva?

Vejo as frases espalhadas por ai como peças de um puzzle enorme, peças soltas, já vistas, todas, fora de ordem, algumas. Partes construidas, muitas por juntar ainda, vê-se um pouco de relva no chão, azul no céu, algumas nuvens e o que para já parece ser uma estrada. Há bocados de casas também, ou então são só casas aos bocados.

Num canto já acabado está uma lata velha, numa parte grande que parece ser o meio há uma mão pequena que segura um pedaço de corda. Olho outra vez para o grande monte e reparo que há uma peça branca, ou então em branco. Logo verei onde a encaixar, um destes dias em que o tempo queira voltar a correr sem ritmo, ora depressa, ora devagar e não nesta cadência certa de relógio afinado em que as horas teimam em durar da mesma maneira.

Sunday 25 November 2007

Histórias

E lá longe, quase no fim do mundo os carros despistam-se do nada. E do lado de cá ouvimos o que nos dizem e lemos o que nos escrevem, depois, há quem sinta o que os senhores pretendentes a deuses querem que se sinta.

Há quem não sinta assim, há até quem desconfie que como se acrescentam pontos à medida que os contos se vão espalhando por ai, também as linhas se podem tirar às histórias. Às histórias sim, à história não, porque essa fica lá parada algures no tempo até que haja quem a queira contar sem pontos a mais ou linhas a menos.

E um dia, talvez todos venham a saber que lá longe, quase no fim do mundo, os carros raramente se despistam do nada.

Wednesday 21 November 2007

Mala

Ao fundo da rua tudo igual, como sempre. As caras ao longe parecem sempre iguais. E logo à noite, na televisão à hora certa lá estarão as noticias mais a novela a seguir. Tudo certo dia após dia.

No meio da estrada vai o cego, perdido que ficou pelo carro estacionado no passeio, segue rumo ao destino, rumo às quatro rodas que se aproximam pela frente. Houve uma mão desta vez, haverá da próxima?

Ao fundo da rua alguém mata, outro alguém morre, um pouco mais ao lado um carro bate, ouvem-se gritos, sente-se o cheiro da borracha no ar. Mais uma sirene, mais barulho, mais, mais, mais, sempre mais... Na porta da frente há quem dê por falta do velho, há quem o procure, há quem o encontre quase desfeito, ainda feito em manjar dos ratos que lhe vão devorando o que resta do pescoço, outrora suporte da cabeça.

No cimo da rua passa o homem com a vida na mão dentro de uma qualquer mala negra, vê casas e fatos, vê carros e luzes e folhas caídas e pouco mais, que a chuva molha-lhe os óculos e turva-lhe o olhar. Ah! Não tivesse ele os óculos e tudo seria diferente, aí sim, poderia sentir-se culpado pelo encontrão que deu ao puto que destilava sonhos encostado a um poste. Não os tivesse e já poderia sentir culpa em si. "Ainda bem que os tenho", logo sussurra aos seus botões enquanto apressa o passo para chegar a casa antes das oito.

Tuesday 20 November 2007

...

Não sei se tempo, não sei se espaço, não sei se deus ou diabo. Não sei o que me empurrou para esta espécie de lugar onde estou. Sei que estou longe, longe de tudo, longe de mim até. Em vez de arco-iris há só as cores desbotadas à minha frente. Persistem só os gritos e as frases de sempre daqueles que vivem em torno da linha traçada sabem lá por quem.

Tive um dia, uns dias, uns anos, um cão mais que gente. Curiosa esta maneira de olhar para as pessoas. Abaixo de cão, algumas, muitas. Morreu num dia de chuva com os olhos vermelhos.

Thursday 15 November 2007

O drama em tons de amarelo

Estavam estragados, os ovos...

Sunday 11 November 2007

O castelo que sobrou do tempo

Olho agora do lado de fora para o castelo erguido. Reparo que está pintado de fresco. Tem paredes azuis e girassóis a florir nas varandas. Lá no cimo tem janelas largas, varandas grandes e um enorme terraço no topo, de onde se podem ver as estrelas nas noites quentes de verão quando o sol por fim se põe e o mundo pertence menos às pessoas e mais aos animais e sonhadores de sonhos(será redundante?).

Do lado de trás da torre redonda vê-se o mar ao longe, da frente avista-se um enorme jardim de flores de algodão plantado em dias de chuva miudinha que quase não podia molhar. Tem muralhas, o castelo, pequenas, mas muralhas. Tem também escadas em caracol e poemas nas paredes. É tudo isto e muito mais a espécie de fortaleza que fomos erguendo ao ritmo das palavras e das noites e dos sons e da vida e de tudo o que o tempo nos deixou. É nosso. É o nosso castelo e nada nem ninguém o pode deitar abaixo. Tanto tempo demorei a perceber o quase óbvio. Seria impossível que com alicerces tão bem feitos se desmoronasse assim de um dia para o outro.

Lá está, cá está no meio do nada e sei, sabemos, que a cada dia pintaremos mais uma parede, abriremos mais uma janela... Sei, sabemos, que a vida não pára, mas o castelo estará sempre lá para nós.

Friday 9 November 2007

Azuis

O espaço em frente para lá do sufoco da cidade que se deixou ficar do lado de trás dos carris. A ténue linha que separa os dois azuis, a silêncio das garrafas espalhadas pelo chão, o murmurar calmo das ondas e o brilho da manta de água visto lá do cimo das pedras que impedem a passagem para outro lado.

Toda a paz do mundo, ali, numa meia dúzia de metros quadrados. E até lá,longe de tudo, há uma cara branca e sorridente que faz atravessar a estrada para colar os olhos a um vidro e pensar no corropio da cidade sufocante onde não deixo de voltar.

Thursday 8 November 2007

9:23

Rumo à paz do fim da terra...

Wednesday 7 November 2007

"Há quanto tempo não te via!"

E nos dias em que o sol teimava em não brilhar, chegavas com todas as tuas histórias e mundos e vidas e sei lá que mais e punhas-te a perguntar o porquê de haver pessoas de bigode. Depois, quando se acababa mais um cigarro e respiravas fundo pensando em tudo e no nada ao mesmo tempo, quando naquele instante todo o mundo se apoiava em ti e te secava, depois sorrias e tudo voltava a ser igual.

Agora voltas com a tua cara séria de menina grande que parece presa a um qualquer futuro e tens medo de sorrir, mas não não és capaz de deixar de ser o tal bicho com asas... Ao primeiro espaço divagas e falas de mundos que só podem ser teus, deixas-te levar até que chegam novamamente as correntes que te prendem a alma cansada que trocaste por um beijo de boa noite todos os dias.

Eu olho e sei que ainda és tu, sei que ainda estás ai, por detrás dos olhos azuis que também sabem sorrir. Ainda um dia vamos ajudar a mover o mundo a sonhos. E desta vez não estamos sós...

Sunday 4 November 2007

Fugir

Quero fugir. Quero fugir sabes?

Pegava ainda hoje no pouco que tenho e ia embora para um qualquer lado desde que fosse longe. Não sei para onde, se calhar nem queria mesmo saber para não correr o risco que me fossem buscar. Precisava de voltar a ver o sol morrer à tarde sem casas a frente, precisava de não ter de acordar e fazê-lo só porque sim, precisava de desligar. Sem rumo, sem lugar, sem destino.

Ando cansado, cansado dos vazios que vejo e sinto nos olhos que todos os dias me aparecem a frente. Tão frios, todos tão frios, tão distantes. Lá aparece de vez em quando um outro mais brilhante qual excepção que confirma a regra, mas nada mais que isso. Olhos tristes em corpos que se arrastam... Tanto cinzento, tanto, tanto.

E é por isso que me vou deixando ficar perto do arco-iris, quando o vejo, quando o sinto, porque fujo sem mexer os pés e descanso nesse gomo laranja que poucos conseguem ver, é por isso que o vou procurando. Pela paz que se forma entre dois sorrisos mesmo que por breves segundos, por vezes algumas horas. Ainda quero fugir sabes? Para algures onde haja azul e gritos de gaivotas pela manhã...

Algo

Uma espécie de maneira de dizer palavras a que alguém chamou lingua. É bom (re)encontrar pessoas que falam a mesma.

- E então aquelas pessoas sonhavam e a nave mexia-se com a energia libertada pelos seus pensamentos, através dos tais psitrões.
- Uma nave movida a sonhos?
- Isso, é isso.
- :)

Thursday 1 November 2007

Hoje

Milhares de pessoas rumando a lugares próximos, cidades afastadas, aldeias distantes... Todas numa correria infernal para ver pedras brancas ou negras, até mesmo casas, campas e jazingos e montes de terra. E lá vão elas e levam as flores e gastam o dinheiro e acendem as velas e queimam a cera e observam as fotos meio amarelas para se lembrarem das caras que o tempo lhes foi apagando da memória.

Terra e pó, nada mais que isso, lá, no fim de tudo. E o que fica é tudo o resto, ficam as palavras e os olhares e as casas cor-de-rosa e o cheiro a café pela manhã e os frascos de doce com canela. Para lá do que existe, para lá das pedras frias que são nada, resiste o ser em quem o lembra, talvez por nunca ter esquecido.

Cai a noite e céu reflecte a luz que ainda vai ardendo em copos de plástico vermelho, murcham as flores. Para o ano voltarão sem saber bem porquê. Não vou, não preciso. As flores dão-se em vida...
-Porque é que se morre?
-Talvez por não se sonhar bastante...

Fernado Pessoa, "O Marinheiro"

Upstairs

Tuesday 30 October 2007

Just...

Sunday 28 October 2007

Perspectiva

-Sobe um pouco, olha e vê se encontras.
Subo e olho, olho mas não encontro.
-São todos iguais.
-Ah! São nada.
-Sobe tu.
-Pois são...

Saturday 27 October 2007

De fora

Cai a noite e e lua fica lá no alto a brilhar que nem tola. Há entre dois lados de dentro um lado de fora onde fico, escassos metros e só o céu negro por cima, vê-se a lua lá do alto, cai ar fresco naquele espaço.

Seguem as canções. Novas, velhas, algumas já gastas de tanto cantadas, de tanto ouvidas, saem palavras, desfazem-se conversas num abrir e fechar de olhos. Não chove e há água no chão.

Há a distância fisica, só essa, há um entender maior que surge entre copos de plástico que vão ficando vazios e há o saber de ser, o saber que se é. O poder juntar passados e presentes e vê-los literalmente de mão dada a correr no meio de caras e corpos espalhados num canto junto ao rio.

Entretanto os outros olham e não vêm, e se vêm não percebem e acho na sua pequenez a grandeza de poucos, meia dúzia de irredutiveis que ainda vão acreditando que o amanhã não existe e os meteoritos caem do céu a toda a hora.

I

"But they don’t know how really feels
They’re just here on holidays
Like dummies filling landscapes
How could they see you cry?"

David Fonseca, "Superstars II"

II

"When you held me,
we fought windmills together"

The Gift, "Pure"

Wednesday 24 October 2007

mANTA

Vou pegar na seda da teia, no algodão dos sorrisos e nas cores do arco-irís e fazer uma manta daquelas bem quentes. Uma manta grande e colorida para que me possa enrolar enquanto espero que o tal comboio passe novamente pela estação.

Hei-de esperar ali no canto onde passe pouca gente e sejam não muitas as vozes que dispersam a atenção do olhar para o nada. Aquele nada que está ali mesmo na parede pintada de uma cor que já ninguém sabe dizer qual. Olho para o infinito que pode haver no tal nada e imagino muito mais do que pode ser imaginado pelo comum dos mortais que habitam o lado de dentro do bolo que é a vida.

Vou adormecer, acho, hei-de acordar a tempo, espero. Ou então pode ser que me acordem a tempo de entrar na carruagem...

Pensar...

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa

Monday 22 October 2007

.








































(no fundo, no fundo, muitas vezes era isto que queria. Silêncio no fundo do tempo...)

Sunday 21 October 2007

Pegadas

Fins de tarde e principios de manhã, sitios diferentes, gentes diferentes, mundos diferentes, tempos diferentes e o resto. Qual resto? Esta coisa do resto que tanta confusão me faz. Duas ou três camadas abaixo lá está a tal coisa, o tal resto qual espécie de miolo escondido mas quase tão igual.

Os actos e as palavras mais os gestos e os sentimentos e os medos e tudo isto somado à pressa numa conta de resultado estranho. As canções também por lá andam, mais as notas e as emoções e tudo o mais que possam levar atrás.

E no fundo, no fundo, sinto que já nem sei bem o que digo ou do que falo, sei que sim. É tudo o que sei.

Vidro

Como um vidro imenso, a distância que separa e faz doer. Meia duzia de metros ou mais alguns quilómetros, sempre tão perto e tão longe ao mesmo tempo. E depois olhar para dentro do aquário gigante e ver os peixes e ter vontade de lhes tocar e não ser possível passar do vidro. O vidro, o tal vidro que marca a distância mesmo que aparentemente ela não exista.

O ali já aqui, a incompreensão nas caras de quem não entende o que é viver numa espécie de trapézio sempre a balançar de um lado para outro, de um mundo para outro, mas de balanço em balanço perde-se sempre um pouco de algo no ar. Um pouco de tudo em todo o lado, sempre um pouco, raras são as vezes em que posso ser um eu só. O estar, sem estar a pensar noutra qualquer coisa.

Vou vendo o mundo, outros mundos, cá de cima enquanto aprecio a paisagem, sei que sei o que quero e como quero, sei o mundo onde o quero. Sei tudo isto, agora basta ir. Como?

Porque...

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

...

Lá em baixo ainda anda gente
apesar de ser tão tarde
há quem cresça no escuro
e do dia se resguarde
há quem corra sem ter braços
para os braços que os aceitam
e seus braços juntos crescem
e entrelaçados se deitam
e a manhã traz outros braços
também juntos de outra forma

de quem luta e ao lutar

a si mesmo se transforma

E tu Maria diz-me onde andas tu
qual de nós faltou hoje ao rendez-vous
qual de nós viu a noite
até ser já quase de dia
é tarde, Maria
toda a gente passou horas
em que andou desencontrado
como à espera do comboio
na paragem do autocarro

"Lá em baixo", Sérgio Godinho

Girar, girar, girar...

Friday 19 October 2007

Facto

O mar é muito mais que milhões de gotas de água, sais e lixo.

Wallpaper

As fábricas existem. Há fábricas de TUDO!

Casa(s)

Estão as paredes e as pedras, os pilares, as mesas e o resto da mobilia. Está o chão e o tecto, está a porta ao fundo, o canto escondido, está tudo, mas a casa está vazia de gente apesar de por lá vaguearem algumas almas.

Paro um pouco para pensar enquanto fecho os olhos e converso em surdina com os fantasmas que vão aparecendo para me cumprmentar. Vão entrando, tantos, tantos. Trazem sorrisos e canções, trazem alegria no olhar mas não são mais que imagens da mente, fantasmas numa casa deserta.

As casas não são feitas de paredes mas sim de pessoas.

Tuesday 16 October 2007

Horas

Gostava de poder voar nos dias em que o ar parece leve e se ouvem sons ao longe. Gostava de poder partir em dias que são noites. Gostava que os comboios não tivessem horários nem linhas pré-definidas. Gostava de ter estado. Vou estar, não ontem mas um dia.

Monday 15 October 2007

Estações - Birkenau


O mundo não pára e enquanto anda muitos gostavam que voltasse atrás. Atrás pensam uns, agora dirão outros. Imagens que despertam a mente. Nunca mais? E hoje, noutra qualquer parte do mundo, não se passa o mesmo?

E depois há quem se queixe por acordar cedo e grite bem alto que a vida é fodida. Pois...

Saturday 13 October 2007

Pedras

Pego no tempo, meto-o na palma da mão e olho bem para ele. Espero, espero a ver se foge. Espero, mas não foge, nem corre, nem tão pouco dá sinal de lá estar. Atiro-o ao ar a ver se desperta. Abano-o, amasso-o. Não se mexe. Não reage. Terá morrido? O tempo morto na minha mão e as pedras ali à frente da espécie de praça que é mais um largo por ser algo pequeno demais mas que eu teimo em chamar praça.

E depois os passos de sempre mais o caminho do costume como que a matar a rotina dos dias vulgares nos dias estranhos em que posso olhar para a palma da mão e apreciar as feições do morto por entre palavras e mundos daqui e de outro qualquer lado.

Há pedras no chão, há pedras à beira-mar, há muitas perdas e pedras para encontrar

E se...

E se as nuvens fossem de algodão doce e só fosse preciso atirar um qualquer pau ao ar para poder saborear um pouco delas? E se lhes pudessemos atar um pouco de fio para trazer uma sempre atrás? E se um chuveiro fosse nada mais que uma nuvem pequena? E se as pontes fossem todas de madeira para estarem sempre em manutenção e não darmos por adquirido o facto de haver ali algo para atravessar o rio? E se as vacas ganhassem asas de papel e pudessem voar em direcção ao sul porque não queriam encontrar o norte? E se isto tudo pudesse existir em quem não é capaz de olhar para lá do que vê?

Protótipo


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75%

Quem diria...

Tuesday 9 October 2007

Não existes!

Lá voltaste a puxar para ti o lençol
Como que a privar meus sonhos do último raio de sol
Amigos são sobras do tempo
Que enrolam seu tempo á espera de ver
O que não existe acontecer

Mas teimas em riscar o fim do meu chão
Nunca medes a distância
Dos passos á razão
Meus votos são claros na forma
Desejo-te o mesmo que guardo p'ra mim
E o que não existe não tem fim

É só dizer e volto a mergulhar
Voltar a ler não é morrer é procurar
Não vai doer mais do que andar assim a fugir
Deixa-te entrar para tentar ou destruir

Mas quem te ouviu falar
Pensou tudo vai bem
Só que alguém vestiu a pele
Que nunca serve a ninguém
E a dúvida está do meu lado
Mas eu não consigo olhá-la e achar
Ser esse o lado em que ela deve estar

Erguemos um grande castelo
Mas não nos lembramos bem para quê
E é essa a verdade que se vê

É só dizer e volto a mergulhar
Voltar a ler não é morrer é procurar
Não vai doer mais do que andar assim a fugir
Deixa-te entrar para tentar ou destruir
Mas sem fingir
Sem fingir
Sem desistir

Manuel Cruz, "Amigos de Quem"

Poderiam lá ser...

De cá para acolá, sim, não, talvez. As sobras não são restos estragados, pelo menos as do tempo.

?

E depois o mundo dá tanta volta que já ninguém sabe bem que é e poucos sabem quem ou o que são os outros. Esquecem-se as definições de dicionário e a familia passa a ser feita de pessoas que não partilham o nosso sangue. Chega depois a altura em que se pergunta até o que é isso.

Ligados, mais uma vez ligados a seres, não porque alguma vez o tenhamos querido, mas sim porque assim vamos nascendo e sendo presos por nós a que somos alheios. Virá o dia em que será preciso olhar e perceber o que é aquilo tudo que não fizemos. Quem são aqueles que nos são próximos sem que alguma vez se tenham aproximado, sem que nos tenhamos aproximado, serão mesmo próximos?

Hoje deixei de ter familia. Tenho mais que isso espalhado por ai e aqui ao lado. Familia não mais. Gente, gentes é o que tenho, amigos também.

Sunday 7 October 2007

Maçãs

Maçãs bonitas no hipermercado. Brilhantes, bom ar, fazem crescer água na boca de tão saborosas que parecem. Uma trinca, duas, três, pergunta a lingua onde está o sabor, onde está a maçã. Papa, só uma papa que se desfaz na boca, quase sem sabor, quase que não é maçã. Não deve ser aliás, é mais uma outra qualquer coisa que teimaram em formatar sem se lembrarem que poderia desaparecer algo. Desapareceu o sabor e o sentir da polpa, desapareceu o trincar devagar, foi-se a maçã.

Maçãs feias numa qualquer árvore, baças, algumas mesmo com bicho. Não falam como as outras, não gritam ao estômago pelos olhos. Limitam-se a estar. Até ao dia em que se pega numa e volta o gosto à boca. Maçãs sumarentas e doces, maçãs que se podem trincar e saborear. A primeira impressão logo posta de lado, afinal o que não parecia grande coisa revela-se algo mais.

As pessoas são como as maçãs. Hoje são.

Saturday 6 October 2007

E depois?

E depois quando é preciso contar uma história não há ninguém capaz de a ouvir. Pode haver vontade, sim, mas ser capaz é diferente de querer...

Para ser capaz é preciso entender e para entender é preciso conhecer. E nunca é fácil conhecer o que não se quer, quanto mais o que não se pode. Gostava de contar uma história, gostava de ter quem a pudesse entender, não tenho, não conto. Mas gostava.

Até já a tentei escrever, mas o papel não faz perguntas e sem perguntas tudo se torna simples demais. Achei maneira de a contar, mas assim também não o quero. Uma linha aqui, outra acolá, uma frase em cada lado, impossíveis de juntar, mas fáceis de entender, mas simples não tem de ser fácil e assim também não faria grande sentido.

Guardo-a então para mim, para a contar a mim mesmo em dias em que não tenho sono nem vontade de sair da cama pela manhã. Pena ainda não saber o fim...
A terra é grande
é pequenina
do tamanho apenas da tangerina
quem mata e morre
nunca percorre
os caminhos do que há de melhor
nesse sumo
a vida, gomo a gomo

Sérgio Godinho, "O Primeiro Gomo da Tangerina"

Wednesday 3 October 2007

Um palhaço

É tarde para alguns, cedo para outros. Passam corpos de caras cansadas e olhares baixos. Chove, ao longe o palhaço chora. Sabe que pode chorar à vontade em dias de chuva que ninguém vê o sal das lágrimas, só gotas de água iguais às que vão caindo do céu. Derrete a máscara, mais tarde mudará de roupa. Trocará depois os balões e apitos por uma qualquer canção melancólica que não deixa de acompanhar com os lábios. Dois pontapés numa pedra, dois copos na tasca, hoje não é mais palhaço. O seu circo voltará a abrir amanhã.

Tuesday 2 October 2007

Manta

Nem orgulho nem saudade, muito menos nostalgia. O ponto a que se chega, o mundo que se vê, os panos rasgados, juntos numa manta de retalhos mesmo assim cheia de buracos, uma manta cosida com linha ora (cá está ela) grossa ora fina, pedaços de panos grandes, outros mais pequenos, todos juntos, cosidos e por momentos amassados quando pego nela e a levo debaixo do braço. Uma manta que se faz bola, bola redonda como o mundo, o meu mundo numa manta de gente. A minha manta tem no entanto uns retalhos especiais, diferentes dos outros, mais sujos e por isso mais brilhantes, pode ela rasgar-se toda que pelo menos aquele quadrado de tecido amarelo hei-de guardar para sempre no bolso.

Ora...

Gosto da palavra, ora, ora, ora. Leva-me sempre para a mesma frase e daí para outras tantas. "Ora amarga, ora doce...". Daí à tangerina é um pulo. Contradições numa palavra, ora.

Pace!

Não entendo como há coisas que não ficam para sempre de tão boas que são. A paz. Porque é que não há sempre esta paz que agora sinto, porque foge ela? Hoje está e não sei até quando. Sei onde nasce, aí, mesmo ao lado da fonte dos sorrisos.

Sunday 30 September 2007

2 vs 7

Escorre por entre os dedos, esse malvado chamado tempo, mata, moi, tira, dá. Tudo ao mesmo tempo, quase na mesma hora. Gostava de saber onde mora, sei que é o vizinho, mas às vezes é ainda mais dificil encontrar o espaço...

A cidade está cheia de esquinas, encontros e desencontros à beira de duas paredes que se tocam. Parecem diferentes a diferentes horas, em diferentes dias. Gosto de passar por elas e ler as histórias que por lá estão escritas. Cimento, tijolos e tinta, só isso, dirão alguns. Mais, muito mais, acho eu. Encontros de quem se vê com olhos de ver poucas vezes num ano, sem sequer saber porque são tão poucas essas noites, talvez só assim seja bom o reencontro. Talvez só assim saiba bem ouvir o riso aparvalhado.

O aparvalhamento das pessoas com quem me dou. É assim e não sei porquê. É por isso que gosto de sorrir contigo, é por isso que gosto de rir contigo, foi porque me habituei a rir todos os dias e a perceber que não é por mostrar uma cara fechada que a vida vai melhorar. Lembro-me da história que te contei do gajo das sandes, não sei se ainda te lembras...

O que me faz sentir bem é olhar para o lado e ver duas pessoas separadas do tempo, do meu tempo, por alguns anos e perceber que tirada a primeira camada se mostram tão iguais. Falta uma terceira, é verdade, também ela igual. Os personagens que vão fazendo a minha vida...

Gostava por vezes de ser como outros, de me contentar com pouco, de não pensar tanto, de aceitar tudo à primeira. Gostava de tudo isto nos dias em que rebolo na cama de um lado para o outro a pensar se o blackout que não me diz respeito já acabou. Gostava de ser assim quando me dão a mão que logo largo por ser só um pouco mais pequena que a minha, gostava de ser assim nestes dias de chuva em que me fecho em casa quendo esses tais outros se vão entretendo a dissecar o alegado penalty de ontem... Gostava mas não sou. Pode alguém ser quem não é? Já tentei ser outra coisa e não deu resultado.

Segue a noite num estado de não saber grande coisa, cordas soltas em forma de neurónios que não se atam. Vazio, oco, porque é assim que tenho andado nos últimos tempos, acho que feliz por já não saber pensar, acho que feliz por saber que há sorrisos, acho que feliz por olhar para o fundo do copo e ver o mesmo som. Ver o som! O tal som da gargalhada perdida no tempo, gargalhadas de hora a hora, faltava-nos o ar de rir tanto. O som das lágrimas a cair no chão naquele dia em que uma espécie de boneco de cera nos fez ver que somos pequeninos à vontade da vida. "Não choras, tu?", "Não consigo!", "Assim é pior, guardar não faz bem.", sei hoje que não e choro agora, alguns anos depois, choro por momentos, não por perdas ou coisas, mas choro.

O som de um passado não muito distante que é quase igual, quase igual ao que foi. Quase, sempre o quase. Não! Sim, eu sei. Adeus. Até já. Assim, simples demais para poder ser complicado. O click, mais uma vez o click, o mesmo que me há-de levar embora um dia quando a decisão não for nem de longe nem de perto a mais acertada, o click que me fez ligar, que te fez voltar atrás. O egoista teve o que queria naquela noite, queria um abraço apertado.

Anos, meses e dias, juntos em poucas horas. Eu vi, só eu vi e foi bom de se ouvir. Foi bom ver que os anos só passam por alguns e não por todos, senti-me bem, muito bem quando os olhos castanhos que ficam cor de rosa de verão me disseram que os olhos laranja são bonitos. Fico feliz por saber que se podiam juntar e escrever uma história de olhares coloridos. Faltaram só uns olhos azuis naquela noite para dar mais umas páginas ao livro.

A estação

A vida e os comboios, ou se calhar os comboios que fazem a vida. Uma enorme estação é o que é. Gente boa e má, de todas as cores e feitios, gordos, magros, altos e baixos. Cada um à espera do seu comboio. Cada um à espera da viagem que o há-de levar dali para algures, seja lá isso onde e o que for.

Olhos ensonados de manhã, corpos suados pela tarde, a tristeza no olhar de alguns e a alegria na voz de outros. Depois há também a apatia de muitos que já não esperam o comboio, mas somente um monte de latas.

Mas um comboio nunca há-de ser para mim um monte de latas. Já perdi alguns por pensar apanhar outros, espero agora pelo próximo que me leve até onde quero ir.