O corpo frio no chão quente, a lâmpada partida a enfeitar o céu, mais um menos um, mais carne menos carne, mais homem menos homem, mais ser menos ser. Na grande mesa comprida (se calhar redonda) não faltarão razões para celebrar outro dia que passou.
Friday, 28 December 2007
Contradições
O corpo frio no chão quente, a lâmpada partida a enfeitar o céu, mais um menos um, mais carne menos carne, mais homem menos homem, mais ser menos ser. Na grande mesa comprida (se calhar redonda) não faltarão razões para celebrar outro dia que passou.
Monday, 24 December 2007
Natal
Deviam ter-me dito que a vida também cobra juros.
Até as estações fecham quando se querem abertas.
Linhas e fios, trapos e cestos, garrafas partidas e mãos soltas por aí. Canções e contos, corridas e desesperos. Mais um dia, mais um ano, mais um minuto.
Tuesday, 18 December 2007
Dias
Nas portas abertas onde homens de batas manchadas sorriem e olham e sentem, nessas portas que só se abrem a quem lá entra, há calor mesmo no mais frio dia do ano.
Gotas
Hoje o frio foi embora, está um belo dia de chuva!
E tu, já tiveste um coração nas mãos?
D.Sebastião, Rei de Portugal
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Tuesday, 11 December 2007
Entrelinhas
Dificil é perceber as palavras no meio do barulho e ver a fraca luz de uma lanterna no mais claro dia de sol.
Sunday, 9 December 2007
Passos
Aprecio e admiro os dois ou três resistentes que teimam em querer fazer algo de bom, seja lá isso o que for. Vejo ainda nos olhares de poucos o brilho de quem se acha capaz de construir um mundo melhor ao ritmo de pequenos gestos.
O mais são só comboios a passar, e corpos à espera de partir num deles. E lá ao fundo -sempre algo diferente ao fundo- há quem se vá entretendo a pintar a grande parede de tijolos velhos com um azul cor de céu.
Wednesday, 5 December 2007
Cores
Varia o tom, só isso. Ora amarelo, ora azul, vermelho até por vezes. O drama é sempre o mesmo, o drama ou a falta dele, nos ovos que teimam em perder a forma, no azul que por vezes teima em fugir. Na pasta encarnada que pode não ser bem o que se está à espera que seja.
Saborear, só isso e nada mais, dia após dia até ao dia em que todo o gosto, todos os gostos sejam perdidos. Dia longe, espero eu.
Friday, 30 November 2007
?
Avesso
Wednesday, 28 November 2007
618236981457789 peças
Vejo as frases espalhadas por ai como peças de um puzzle enorme, peças soltas, já vistas, todas, fora de ordem, algumas. Partes construidas, muitas por juntar ainda, vê-se um pouco de relva no chão, azul no céu, algumas nuvens e o que para já parece ser uma estrada. Há bocados de casas também, ou então são só casas aos bocados.
Num canto já acabado está uma lata velha, numa parte grande que parece ser o meio há uma mão pequena que segura um pedaço de corda. Olho outra vez para o grande monte e reparo que há uma peça branca, ou então em branco. Logo verei onde a encaixar, um destes dias em que o tempo queira voltar a correr sem ritmo, ora depressa, ora devagar e não nesta cadência certa de relógio afinado em que as horas teimam em durar da mesma maneira.
Sunday, 25 November 2007
Histórias
Há quem não sinta assim, há até quem desconfie que como se acrescentam pontos à medida que os contos se vão espalhando por ai, também as linhas se podem tirar às histórias. Às histórias sim, à história não, porque essa fica lá parada algures no tempo até que haja quem a queira contar sem pontos a mais ou linhas a menos.
E um dia, talvez todos venham a saber que lá longe, quase no fim do mundo, os carros raramente se despistam do nada.
Wednesday, 21 November 2007
Mala
No meio da estrada vai o cego, perdido que ficou pelo carro estacionado no passeio, segue rumo ao destino, rumo às quatro rodas que se aproximam pela frente. Houve uma mão desta vez, haverá da próxima?
Ao fundo da rua alguém mata, outro alguém morre, um pouco mais ao lado um carro bate, ouvem-se gritos, sente-se o cheiro da borracha no ar. Mais uma sirene, mais barulho, mais, mais, mais, sempre mais... Na porta da frente há quem dê por falta do velho, há quem o procure, há quem o encontre quase desfeito, ainda feito em manjar dos ratos que lhe vão devorando o que resta do pescoço, outrora suporte da cabeça.
No cimo da rua passa o homem com a vida na mão dentro de uma qualquer mala negra, vê casas e fatos, vê carros e luzes e folhas caídas e pouco mais, que a chuva molha-lhe os óculos e turva-lhe o olhar. Ah! Não tivesse ele os óculos e tudo seria diferente, aí sim, poderia sentir-se culpado pelo encontrão que deu ao puto que destilava sonhos encostado a um poste. Não os tivesse e já poderia sentir culpa em si. "Ainda bem que os tenho", logo sussurra aos seus botões enquanto apressa o passo para chegar a casa antes das oito.
Tuesday, 20 November 2007
...
Tive um dia, uns dias, uns anos, um cão mais que gente. Curiosa esta maneira de olhar para as pessoas. Abaixo de cão, algumas, muitas. Morreu num dia de chuva com os olhos vermelhos.
Thursday, 15 November 2007
Sunday, 11 November 2007
O castelo que sobrou do tempo
Do lado de trás da torre redonda vê-se o mar ao longe, da frente avista-se um enorme jardim de flores de algodão plantado em dias de chuva miudinha que quase não podia molhar. Tem muralhas, o castelo, pequenas, mas muralhas. Tem também escadas em caracol e poemas nas paredes. É tudo isto e muito mais a espécie de fortaleza que fomos erguendo ao ritmo das palavras e das noites e dos sons e da vida e de tudo o que o tempo nos deixou. É nosso. É o nosso castelo e nada nem ninguém o pode deitar abaixo. Tanto tempo demorei a perceber o quase óbvio. Seria impossível que com alicerces tão bem feitos se desmoronasse assim de um dia para o outro.
Lá está, cá está no meio do nada e sei, sabemos, que a cada dia pintaremos mais uma parede, abriremos mais uma janela... Sei, sabemos, que a vida não pára, mas o castelo estará sempre lá para nós.
Friday, 9 November 2007
Azuis
Toda a paz do mundo, ali, numa meia dúzia de metros quadrados. E até lá,longe de tudo, há uma cara branca e sorridente que faz atravessar a estrada para colar os olhos a um vidro e pensar no corropio da cidade sufocante onde não deixo de voltar.
Thursday, 8 November 2007
Wednesday, 7 November 2007
"Há quanto tempo não te via!"
Agora voltas com a tua cara séria de menina grande que parece presa a um qualquer futuro e tens medo de sorrir, mas não não és capaz de deixar de ser o tal bicho com asas... Ao primeiro espaço divagas e falas de mundos que só podem ser teus, deixas-te levar até que chegam novamamente as correntes que te prendem a alma cansada que trocaste por um beijo de boa noite todos os dias.
Eu olho e sei que ainda és tu, sei que ainda estás ai, por detrás dos olhos azuis que também sabem sorrir. Ainda um dia vamos ajudar a mover o mundo a sonhos. E desta vez não estamos sós...
Sunday, 4 November 2007
Fugir
Pegava ainda hoje no pouco que tenho e ia embora para um qualquer lado desde que fosse longe. Não sei para onde, se calhar nem queria mesmo saber para não correr o risco que me fossem buscar. Precisava de voltar a ver o sol morrer à tarde sem casas a frente, precisava de não ter de acordar e fazê-lo só porque sim, precisava de desligar. Sem rumo, sem lugar, sem destino.
Ando cansado, cansado dos vazios que vejo e sinto nos olhos que todos os dias me aparecem a frente. Tão frios, todos tão frios, tão distantes. Lá aparece de vez em quando um outro mais brilhante qual excepção que confirma a regra, mas nada mais que isso. Olhos tristes em corpos que se arrastam... Tanto cinzento, tanto, tanto.
E é por isso que me vou deixando ficar perto do arco-iris, quando o vejo, quando o sinto, porque fujo sem mexer os pés e descanso nesse gomo laranja que poucos conseguem ver, é por isso que o vou procurando. Pela paz que se forma entre dois sorrisos mesmo que por breves segundos, por vezes algumas horas. Ainda quero fugir sabes? Para algures onde haja azul e gritos de gaivotas pela manhã...
Algo
- E então aquelas pessoas sonhavam e a nave mexia-se com a energia libertada pelos seus pensamentos, através dos tais psitrões.
- Uma nave movida a sonhos?
- Isso, é isso.
- :)
Thursday, 1 November 2007
Hoje
Terra e pó, nada mais que isso, lá, no fim de tudo. E o que fica é tudo o resto, ficam as palavras e os olhares e as casas cor-de-rosa e o cheiro a café pela manhã e os frascos de doce com canela. Para lá do que existe, para lá das pedras frias que são nada, resiste o ser em quem o lembra, talvez por nunca ter esquecido.
Cai a noite e céu reflecte a luz que ainda vai ardendo em copos de plástico vermelho, murcham as flores. Para o ano voltarão sem saber bem porquê. Não vou, não preciso. As flores dão-se em vida...
Tuesday, 30 October 2007
Sunday, 28 October 2007
Perspectiva
Subo e olho, olho mas não encontro.
-São todos iguais.
-Ah! São nada.
-Sobe tu.
-Pois são...
Saturday, 27 October 2007
De fora
Seguem as canções. Novas, velhas, algumas já gastas de tanto cantadas, de tanto ouvidas, saem palavras, desfazem-se conversas num abrir e fechar de olhos. Não chove e há água no chão.
Há a distância fisica, só essa, há um entender maior que surge entre copos de plástico que vão ficando vazios e há o saber de ser, o saber que se é. O poder juntar passados e presentes e vê-los literalmente de mão dada a correr no meio de caras e corpos espalhados num canto junto ao rio.
Entretanto os outros olham e não vêm, e se vêm não percebem e acho na sua pequenez a grandeza de poucos, meia dúzia de irredutiveis que ainda vão acreditando que o amanhã não existe e os meteoritos caem do céu a toda a hora.
I
They’re just here on holidays
Like dummies filling landscapes
How could they see you cry?"
Wednesday, 24 October 2007
mANTA
Hei-de esperar ali no canto onde passe pouca gente e sejam não muitas as vozes que dispersam a atenção do olhar para o nada. Aquele nada que está ali mesmo na parede pintada de uma cor que já ninguém sabe dizer qual. Olho para o infinito que pode haver no tal nada e imagino muito mais do que pode ser imaginado pelo comum dos mortais que habitam o lado de dentro do bolo que é a vida.
Vou adormecer, acho, hei-de acordar a tempo, espero. Ou então pode ser que me acordem a tempo de entrar na carruagem...
Pensar...
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Monday, 22 October 2007
Sunday, 21 October 2007
Pegadas
Os actos e as palavras mais os gestos e os sentimentos e os medos e tudo isto somado à pressa numa conta de resultado estranho. As canções também por lá andam, mais as notas e as emoções e tudo o mais que possam levar atrás.
E no fundo, no fundo, sinto que já nem sei bem o que digo ou do que falo, sei que sim. É tudo o que sei.
Vidro
O ali já aqui, a incompreensão nas caras de quem não entende o que é viver numa espécie de trapézio sempre a balançar de um lado para outro, de um mundo para outro, mas de balanço em balanço perde-se sempre um pouco de algo no ar. Um pouco de tudo em todo o lado, sempre um pouco, raras são as vezes em que posso ser um eu só. O estar, sem estar a pensar noutra qualquer coisa.
Vou vendo o mundo, outros mundos, cá de cima enquanto aprecio a paisagem, sei que sei o que quero e como quero, sei o mundo onde o quero. Sei tudo isto, agora basta ir. Como?
Porque...
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
...
Lá em baixo ainda anda gente
apesar de ser tão tarde
há quem cresça no escuro
e do dia se resguarde
há quem corra sem ter braços
para os braços que os aceitam
e seus braços juntos crescem
e entrelaçados se deitam
e a manhã traz outros braços
também juntos de outra forma
de quem luta e ao lutar
a si mesmo se transforma
qual de nós faltou hoje ao rendez-vous
qual de nós viu a noite
até ser já quase de dia
é tarde, Maria
toda a gente passou horas
em que andou desencontrado
como à espera do comboio
na paragem do autocarro
Friday, 19 October 2007
Casa(s)
Paro um pouco para pensar enquanto fecho os olhos e converso em surdina com os fantasmas que vão aparecendo para me cumprmentar. Vão entrando, tantos, tantos. Trazem sorrisos e canções, trazem alegria no olhar mas não são mais que imagens da mente, fantasmas numa casa deserta.
As casas não são feitas de paredes mas sim de pessoas.
Tuesday, 16 October 2007
Horas
Monday, 15 October 2007
Estações - Birkenau
E depois há quem se queixe por acordar cedo e grite bem alto que a vida é fodida. Pois...
Saturday, 13 October 2007
Pedras
E depois os passos de sempre mais o caminho do costume como que a matar a rotina dos dias vulgares nos dias estranhos em que posso olhar para a palma da mão e apreciar as feições do morto por entre palavras e mundos daqui e de outro qualquer lado.
Há pedras no chão, há pedras à beira-mar, há muitas perdas e pedras para encontrar
E se...
Tuesday, 9 October 2007
Não existes!
Como que a privar meus sonhos do último raio de sol
Amigos são sobras do tempo
Que enrolam seu tempo á espera de ver
O que não existe acontecer
Mas teimas em riscar o fim do meu chão
Nunca medes a distância
Dos passos á razão
Meus votos são claros na forma
Desejo-te o mesmo que guardo p'ra mim
E o que não existe não tem fim
É só dizer e volto a mergulhar
Voltar a ler não é morrer é procurar
Não vai doer mais do que andar assim a fugir
Deixa-te entrar para tentar ou destruir
Mas quem te ouviu falar
Pensou tudo vai bem
Só que alguém vestiu a pele
Que nunca serve a ninguém
E a dúvida está do meu lado
Mas eu não consigo olhá-la e achar
Ser esse o lado em que ela deve estar
Erguemos um grande castelo
Mas não nos lembramos bem para quê
E é essa a verdade que se vê
É só dizer e volto a mergulhar
Voltar a ler não é morrer é procurar
Não vai doer mais do que andar assim a fugir
Deixa-te entrar para tentar ou destruir
Mas sem fingir
Sem fingir
Sem desistir
Poderiam lá ser...
?
Ligados, mais uma vez ligados a seres, não porque alguma vez o tenhamos querido, mas sim porque assim vamos nascendo e sendo presos por nós a que somos alheios. Virá o dia em que será preciso olhar e perceber o que é aquilo tudo que não fizemos. Quem são aqueles que nos são próximos sem que alguma vez se tenham aproximado, sem que nos tenhamos aproximado, serão mesmo próximos?
Hoje deixei de ter familia. Tenho mais que isso espalhado por ai e aqui ao lado. Familia não mais. Gente, gentes é o que tenho, amigos também.
Sunday, 7 October 2007
Maçãs
Maçãs feias numa qualquer árvore, baças, algumas mesmo com bicho. Não falam como as outras, não gritam ao estômago pelos olhos. Limitam-se a estar. Até ao dia em que se pega numa e volta o gosto à boca. Maçãs sumarentas e doces, maçãs que se podem trincar e saborear. A primeira impressão logo posta de lado, afinal o que não parecia grande coisa revela-se algo mais.
As pessoas são como as maçãs. Hoje são.
Saturday, 6 October 2007
E depois?
Para ser capaz é preciso entender e para entender é preciso conhecer. E nunca é fácil conhecer o que não se quer, quanto mais o que não se pode. Gostava de contar uma história, gostava de ter quem a pudesse entender, não tenho, não conto. Mas gostava.
Até já a tentei escrever, mas o papel não faz perguntas e sem perguntas tudo se torna simples demais. Achei maneira de a contar, mas assim também não o quero. Uma linha aqui, outra acolá, uma frase em cada lado, impossíveis de juntar, mas fáceis de entender, mas simples não tem de ser fácil e assim também não faria grande sentido.
Guardo-a então para mim, para a contar a mim mesmo em dias em que não tenho sono nem vontade de sair da cama pela manhã. Pena ainda não saber o fim...
Wednesday, 3 October 2007
Um palhaço
Tuesday, 2 October 2007
Manta
Ora...
Pace!
Sunday, 30 September 2007
2 vs 7
A cidade está cheia de esquinas, encontros e desencontros à beira de duas paredes que se tocam. Parecem diferentes a diferentes horas, em diferentes dias. Gosto de passar por elas e ler as histórias que por lá estão escritas. Cimento, tijolos e tinta, só isso, dirão alguns. Mais, muito mais, acho eu. Encontros de quem se vê com olhos de ver poucas vezes num ano, sem sequer saber porque são tão poucas essas noites, talvez só assim seja bom o reencontro. Talvez só assim saiba bem ouvir o riso aparvalhado.
O aparvalhamento das pessoas com quem me dou. É assim e não sei porquê. É por isso que gosto de sorrir contigo, é por isso que gosto de rir contigo, foi porque me habituei a rir todos os dias e a perceber que não é por mostrar uma cara fechada que a vida vai melhorar. Lembro-me da história que te contei do gajo das sandes, não sei se ainda te lembras...
O que me faz sentir bem é olhar para o lado e ver duas pessoas separadas do tempo, do meu tempo, por alguns anos e perceber que tirada a primeira camada se mostram tão iguais. Falta uma terceira, é verdade, também ela igual. Os personagens que vão fazendo a minha vida...
Gostava por vezes de ser como outros, de me contentar com pouco, de não pensar tanto, de aceitar tudo à primeira. Gostava de tudo isto nos dias em que rebolo na cama de um lado para o outro a pensar se o blackout que não me diz respeito já acabou. Gostava de ser assim quando me dão a mão que logo largo por ser só um pouco mais pequena que a minha, gostava de ser assim nestes dias de chuva em que me fecho em casa quendo esses tais outros se vão entretendo a dissecar o alegado penalty de ontem... Gostava mas não sou. Pode alguém ser quem não é? Já tentei ser outra coisa e não deu resultado.
Segue a noite num estado de não saber grande coisa, cordas soltas em forma de neurónios que não se atam. Vazio, oco, porque é assim que tenho andado nos últimos tempos, acho que feliz por já não saber pensar, acho que feliz por saber que há sorrisos, acho que feliz por olhar para o fundo do copo e ver o mesmo som. Ver o som! O tal som da gargalhada perdida no tempo, gargalhadas de hora a hora, faltava-nos o ar de rir tanto. O som das lágrimas a cair no chão naquele dia em que uma espécie de boneco de cera nos fez ver que somos pequeninos à vontade da vida. "Não choras, tu?", "Não consigo!", "Assim é pior, guardar não faz bem.", sei hoje que não e choro agora, alguns anos depois, choro por momentos, não por perdas ou coisas, mas choro.
O som de um passado não muito distante que é quase igual, quase igual ao que foi. Quase, sempre o quase. Não! Sim, eu sei. Adeus. Até já. Assim, simples demais para poder ser complicado. O click, mais uma vez o click, o mesmo que me há-de levar embora um dia quando a decisão não for nem de longe nem de perto a mais acertada, o click que me fez ligar, que te fez voltar atrás. O egoista teve o que queria naquela noite, queria um abraço apertado.
Anos, meses e dias, juntos em poucas horas. Eu vi, só eu vi e foi bom de se ouvir. Foi bom ver que os anos só passam por alguns e não por todos, senti-me bem, muito bem quando os olhos castanhos que ficam cor de rosa de verão me disseram que os olhos laranja são bonitos. Fico feliz por saber que se podiam juntar e escrever uma história de olhares coloridos. Faltaram só uns olhos azuis naquela noite para dar mais umas páginas ao livro.
A estação
Olhos ensonados de manhã, corpos suados pela tarde, a tristeza no olhar de alguns e a alegria na voz de outros. Depois há também a apatia de muitos que já não esperam o comboio, mas somente um monte de latas.
Mas um comboio nunca há-de ser para mim um monte de latas. Já perdi alguns por pensar apanhar outros, espero agora pelo próximo que me leve até onde quero ir.