Monday, 15 October 2007

Estações - Birkenau


O mundo não pára e enquanto anda muitos gostavam que voltasse atrás. Atrás pensam uns, agora dirão outros. Imagens que despertam a mente. Nunca mais? E hoje, noutra qualquer parte do mundo, não se passa o mesmo?

E depois há quem se queixe por acordar cedo e grite bem alto que a vida é fodida. Pois...

Saturday, 13 October 2007

Pedras

Pego no tempo, meto-o na palma da mão e olho bem para ele. Espero, espero a ver se foge. Espero, mas não foge, nem corre, nem tão pouco dá sinal de lá estar. Atiro-o ao ar a ver se desperta. Abano-o, amasso-o. Não se mexe. Não reage. Terá morrido? O tempo morto na minha mão e as pedras ali à frente da espécie de praça que é mais um largo por ser algo pequeno demais mas que eu teimo em chamar praça.

E depois os passos de sempre mais o caminho do costume como que a matar a rotina dos dias vulgares nos dias estranhos em que posso olhar para a palma da mão e apreciar as feições do morto por entre palavras e mundos daqui e de outro qualquer lado.

Há pedras no chão, há pedras à beira-mar, há muitas perdas e pedras para encontrar

E se...

E se as nuvens fossem de algodão doce e só fosse preciso atirar um qualquer pau ao ar para poder saborear um pouco delas? E se lhes pudessemos atar um pouco de fio para trazer uma sempre atrás? E se um chuveiro fosse nada mais que uma nuvem pequena? E se as pontes fossem todas de madeira para estarem sempre em manutenção e não darmos por adquirido o facto de haver ali algo para atravessar o rio? E se as vacas ganhassem asas de papel e pudessem voar em direcção ao sul porque não queriam encontrar o norte? E se isto tudo pudesse existir em quem não é capaz de olhar para lá do que vê?

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75%

Quem diria...

Tuesday, 9 October 2007

Não existes!

Lá voltaste a puxar para ti o lençol
Como que a privar meus sonhos do último raio de sol
Amigos são sobras do tempo
Que enrolam seu tempo á espera de ver
O que não existe acontecer

Mas teimas em riscar o fim do meu chão
Nunca medes a distância
Dos passos á razão
Meus votos são claros na forma
Desejo-te o mesmo que guardo p'ra mim
E o que não existe não tem fim

É só dizer e volto a mergulhar
Voltar a ler não é morrer é procurar
Não vai doer mais do que andar assim a fugir
Deixa-te entrar para tentar ou destruir

Mas quem te ouviu falar
Pensou tudo vai bem
Só que alguém vestiu a pele
Que nunca serve a ninguém
E a dúvida está do meu lado
Mas eu não consigo olhá-la e achar
Ser esse o lado em que ela deve estar

Erguemos um grande castelo
Mas não nos lembramos bem para quê
E é essa a verdade que se vê

É só dizer e volto a mergulhar
Voltar a ler não é morrer é procurar
Não vai doer mais do que andar assim a fugir
Deixa-te entrar para tentar ou destruir
Mas sem fingir
Sem fingir
Sem desistir

Manuel Cruz, "Amigos de Quem"

Poderiam lá ser...

De cá para acolá, sim, não, talvez. As sobras não são restos estragados, pelo menos as do tempo.

?

E depois o mundo dá tanta volta que já ninguém sabe bem que é e poucos sabem quem ou o que são os outros. Esquecem-se as definições de dicionário e a familia passa a ser feita de pessoas que não partilham o nosso sangue. Chega depois a altura em que se pergunta até o que é isso.

Ligados, mais uma vez ligados a seres, não porque alguma vez o tenhamos querido, mas sim porque assim vamos nascendo e sendo presos por nós a que somos alheios. Virá o dia em que será preciso olhar e perceber o que é aquilo tudo que não fizemos. Quem são aqueles que nos são próximos sem que alguma vez se tenham aproximado, sem que nos tenhamos aproximado, serão mesmo próximos?

Hoje deixei de ter familia. Tenho mais que isso espalhado por ai e aqui ao lado. Familia não mais. Gente, gentes é o que tenho, amigos também.

Sunday, 7 October 2007

Maçãs

Maçãs bonitas no hipermercado. Brilhantes, bom ar, fazem crescer água na boca de tão saborosas que parecem. Uma trinca, duas, três, pergunta a lingua onde está o sabor, onde está a maçã. Papa, só uma papa que se desfaz na boca, quase sem sabor, quase que não é maçã. Não deve ser aliás, é mais uma outra qualquer coisa que teimaram em formatar sem se lembrarem que poderia desaparecer algo. Desapareceu o sabor e o sentir da polpa, desapareceu o trincar devagar, foi-se a maçã.

Maçãs feias numa qualquer árvore, baças, algumas mesmo com bicho. Não falam como as outras, não gritam ao estômago pelos olhos. Limitam-se a estar. Até ao dia em que se pega numa e volta o gosto à boca. Maçãs sumarentas e doces, maçãs que se podem trincar e saborear. A primeira impressão logo posta de lado, afinal o que não parecia grande coisa revela-se algo mais.

As pessoas são como as maçãs. Hoje são.

Saturday, 6 October 2007

E depois?

E depois quando é preciso contar uma história não há ninguém capaz de a ouvir. Pode haver vontade, sim, mas ser capaz é diferente de querer...

Para ser capaz é preciso entender e para entender é preciso conhecer. E nunca é fácil conhecer o que não se quer, quanto mais o que não se pode. Gostava de contar uma história, gostava de ter quem a pudesse entender, não tenho, não conto. Mas gostava.

Até já a tentei escrever, mas o papel não faz perguntas e sem perguntas tudo se torna simples demais. Achei maneira de a contar, mas assim também não o quero. Uma linha aqui, outra acolá, uma frase em cada lado, impossíveis de juntar, mas fáceis de entender, mas simples não tem de ser fácil e assim também não faria grande sentido.

Guardo-a então para mim, para a contar a mim mesmo em dias em que não tenho sono nem vontade de sair da cama pela manhã. Pena ainda não saber o fim...
A terra é grande
é pequenina
do tamanho apenas da tangerina
quem mata e morre
nunca percorre
os caminhos do que há de melhor
nesse sumo
a vida, gomo a gomo

Sérgio Godinho, "O Primeiro Gomo da Tangerina"

Wednesday, 3 October 2007

Um palhaço

É tarde para alguns, cedo para outros. Passam corpos de caras cansadas e olhares baixos. Chove, ao longe o palhaço chora. Sabe que pode chorar à vontade em dias de chuva que ninguém vê o sal das lágrimas, só gotas de água iguais às que vão caindo do céu. Derrete a máscara, mais tarde mudará de roupa. Trocará depois os balões e apitos por uma qualquer canção melancólica que não deixa de acompanhar com os lábios. Dois pontapés numa pedra, dois copos na tasca, hoje não é mais palhaço. O seu circo voltará a abrir amanhã.

Tuesday, 2 October 2007

Manta

Nem orgulho nem saudade, muito menos nostalgia. O ponto a que se chega, o mundo que se vê, os panos rasgados, juntos numa manta de retalhos mesmo assim cheia de buracos, uma manta cosida com linha ora (cá está ela) grossa ora fina, pedaços de panos grandes, outros mais pequenos, todos juntos, cosidos e por momentos amassados quando pego nela e a levo debaixo do braço. Uma manta que se faz bola, bola redonda como o mundo, o meu mundo numa manta de gente. A minha manta tem no entanto uns retalhos especiais, diferentes dos outros, mais sujos e por isso mais brilhantes, pode ela rasgar-se toda que pelo menos aquele quadrado de tecido amarelo hei-de guardar para sempre no bolso.

Ora...

Gosto da palavra, ora, ora, ora. Leva-me sempre para a mesma frase e daí para outras tantas. "Ora amarga, ora doce...". Daí à tangerina é um pulo. Contradições numa palavra, ora.

Pace!

Não entendo como há coisas que não ficam para sempre de tão boas que são. A paz. Porque é que não há sempre esta paz que agora sinto, porque foge ela? Hoje está e não sei até quando. Sei onde nasce, aí, mesmo ao lado da fonte dos sorrisos.